CAMOCIM CEARÁ

Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra; Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos; Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia; Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus; Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus; Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa.(Mt.5)

domingo, 26 de maio de 2013

PARA QUEM NÃO ACREDITA NO INFERNO

Dante perdido na selva escura.

Razão da viagem - Beatriz

Já anoitecia quando iniciamos a jornada. Ó Musas, ó grande gênio, me ajudem para que eu possa relatar aqui sem erro esta viagem que está escrita para sempre em minha mente! E então comecei:
- Ó poeta que me guias, julga minha virtude e dize se é compatível com o caminho árduo que me confias. Não sou ninguém diante de Paulo ou Enéas. Não consigo crer que eu seja digno de tal, nem acho que outro pensaria da mesma forma.
- Se eu de fato compreendi o que acabas de dizer - respondeu o poeta -, tua alma está tomada pela covardia, que tantas vezes pesa sobre os homens, os afastando de nobres empreendimentos, como uma besta assustada pela própria sombra. Para te libertar desse medo, deixa que eu te explique como cheguei até ti:
"Eu estava com os outros espíritos suspensos no Limboquando apareceu-me uma mulher beata e bela.
- Ó generosa alma mantuana, - disse ela -, ajude-me a socorrer um amigo, que está perdido na selva escura. Vai com tua fala ornada e ajuda-o para que eu seja consolada. Eu souBeatriz, que pede que tu vás. Venho do céu e para o céu voltarei. Foi o amor que me trouxe e é ele quem me faz falar.
- Ó mulher de virtude, tanto me agrada obedecer-te, que basta dizeres o que desejas que eu faça que eu o farei. Mas dize-me, não tens medo de descer até este centro escuro?
- Deve-se temer as coisas que de fato têm o poder de nos causar mal - respondeu -, e mais nada, pois nada mais existe para temer. A mulher gentil que se compadeceu do que acontece com aquele a quem te envio, pediu a Luzia, dizendo: 'aquele teu adepto fiel precisa de tua ajuda e a ti o recomendo.' Luzia, inimiga de toda crueldade, veio então a procurar-me, onde eu sentava com a antiga Raquel. 'Beatriz', disse, 'não vais salvar quem mais te amou e que por ti se elevou do povo vulgar?' Logo que ouvi tais palavras desci aqui, do meu beato posto, por confiar na tua palavra honesta.
E assim, ela me deixou, e eu cheguei para afastar aquela fera que impedia que tu escalasses o belo monte."
- Então o que é que há? Por que tu és tão covarde? Por que não és bravo e corajoso, quando tens três mulheres abençoadas que te guardam lá do céu?
Depois que ele terminou de falar, eu não era mais o mesmo. Recuperei a coragem, perdi o medo e afastei todas as minhas dúvidas. Imediatamente voltei a confiar na jornada que me fora proposta e disse-lhe:
- Ó piedosa aquela que me socorreu, e tu que tão cortês atendeste ao seu pedido. Com tuas palavras tornei-me outra vez disposto. Vamos, que agora ambos queremos a mesma coisa. Tu serás meu guia, e eu te seguirei.
E assim, seguimos por um caminho árduo e silvestre.  FONTE:Stelle.com

Rio Aqueronte - Caronte

POR MIM SE VAI À CIDADE DOLENTE,
POR MIM SE VAI À ETERNA DOR ,
POR MIM SE VAI À PERDIDA GENTE.
JUSTIÇA MOVEU O MEU ALTO CRIADOR,
QUE ME FEZ COM O DIVINO PODER,
O SABER SUPREMO E O PRIMEIRO AMOR.
ANTES DE MIM COISA ALGUMA FOI CRIADA
EXCETO COISAS ETERNAS, E ETERNA EU DURO.
DEIXAI TODA ESPERANÇA, VÓS QUE ENTRAIS!
Estas palavras estavam escritas em tom escuro, no alto de um portal. Eu, assustado, confidenciei ao meu guia:
- Mestre, estas palavras são muito duras.
Dante e Virgílio diante da entrada do Inferno. Ilustração de Helder da Rocha.
- Não tenhas medo - respondeu Virgílio, experiente - mas não sejas fraco! Aqui chegamos ao lugar, do qual antes te falei, onde encontraríamos as almas sofredoras que já perderam seu livre poder de arbítrio. Não temas, pois tu não és uma delas, tu ainda vives.
Em seguida, Virgílio segurou minha mão, sorriu para me dar confiança, e me guiou na direção daquele sinistro portal.
Logo que entrei ouvi gritos terríveis, suspiros e prantos que ecoavam pela escuridão sem estrelas. Os lamentos eram tão intensos que não me contive e chorei. Gritos de mágoa, brigas, queixas iradas em diversas línguas formavam um tumulto que tinha o som de uma ventania. Eu, com a cabeça já tomada de horror, perguntei:
- Mestre, quem são essas pessoas que sofrem tanto?
- Este é o destino daquelas almas que não procuraram fazer o bem divino, mas também não buscaram fazer o mal. - me respondeu o mestre. - Se misturam com aquele coro de anjos que não foram nem fiéis nem infiéis ao seu Deus. Tanto o céu quanto o inferno os rejeita.
- Mestre - continuei -, a que pena tão terrível estão esses coitados submetidos para que lamentem tanto?
- Te direi em poucas palavras. Estes espíritos não têm esperança de morte nem de salvação. O mundo não se lembrará deles, a misericórdia e a justiça os ignoram. Deixe-os. Só olha, e passa.
E então olhei e vi que as almas formavam uma grande multidão, correndo atrás de uma bandeira que nunca parava. Estavam todas nuas, expostas a picadas de enxames de vespas que as feriam em todo o corpo. O sangue escorria, junto com as lágrimas até os pés, onde vermes doentes ainda os roíam.
Quando olhei além dessa turba, vi uma outra grande multidão que esperava às margens de um grande rio.
- Quem são aqueles? - perguntei ao mestre.
- Tu saberás no seu devido tempo, quando tivermos chegado à orla triste do Aqueronte. - respondeu, secamente.
Temendo ter feito perguntas demais, fiquei calado até chegarmos às margens daquele rio de águas pantanosas e cinzentas.
Chegava um barco dirigido por um velho pálido, branco e de pêlos antigos. Ele gritava:
- Almas ruins, vim vos buscar para o castigo eterno! Abandonai toda a esperança de ver o céu outra vez, pois vou levar-vos às trevas eternas, ao fogo e ao gelo!
Quando ele me viu, gritou:
- E tu, alma vivente, te afasta desse meio pois aqui só vem morto! - Vendo que eu não me mexia, mais calmo, falou - Tu deves seguir para outro porto, onde um outro barco, maior, te dará transporte.
Caronte, te irritas em vão! - intercedeu o mestre - Lá, onde se pode o que se quer, isto se quer, e não peças mais nada!
Caronte então se calou, mas pude ver que seus olhos vermelhos ainda ardiam de raiva. As almas, chorando amargamente, se amontoavam na orla e Caronte as embarcava, uma a uma, batendo nelas com o remo quando alguma hesitava. Depois seguiam, quebrando as ondas sujas rio Aqueronte, e antes de chegarem à outra margem, uma nova multidão já se formava deste lado.
Enquanto Virgílio me falava sobre as almas que atravessavam o rio, houve um grande terremoto, seguido por uma ventania que inundou o céu com um clarão avermelhado. O susto foi tão intenso que eu desmaiei e caí num sono profundo.

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