CAMOCIM CEARÁ

Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra; Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos; Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia; Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus; Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus; Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa.(Mt.5)

sábado, 11 de julho de 2020

MISERICÓRDIA SENHOR. NÃO É FÁCIL UMA MORADA NO CÉU

O guia me levou a fazer o contorno das muralhas daquela horrível cidade. De espaço a espaço, a distância regular, via-se uma porta de bronze como a primeira, também no ponto final de uma espantosa vertente, e todas tinham uma inscrição latina distinta das anteriores.
Discedite, maledicti, in ignem aeternum, qui paratus est diabolo et Angelis eius... Omnis arbor quae non facit fructum bonum excidetur et in ignem mittetur [Afastai-vos, malditos, ide para o fogo eterno que está preparado para o diabo e seus anjos... Toda árvore que não der bom fruto será cortada e lançada ao fogo].
Apanhei um lápis para copiar as inscrições; mas o guia me disse:
- Que estás fazendo?
- Tomo nota destas inscrições.
- Não é preciso; tu as tens todas na Escritura. Algumas delas até as mandaste colocar nas portas [de teu Oratório].
Diante de tal espetáculo, eu teria desejado voltar para trás e marchar para o Oratório; já havia dado alguns passos, mas meu guia nem se moveu. Percorremos um imenso e profundíssimo barranco e novamente nos encontramos diante da primeira porta, aos pés da vertente por onde havíamos descido. De repente o guia recuou e, com o rosto entristecido e desfeito, fez sinal para que me afastasse, dizendo:
- Observa!
Assustado, voltei os olhos para trás e vi a uma grande distância, por aquele rapidíssimo caminho, alguém que caía precipitadamente. Conforme ia se aproximando, procurava fixar-lhe o rosto; afinal reconheci nele um dos meus jovens. Seus cabelos, em parte desordenados e eriçados, em parte lançados para trás por efeito do vento; seus braços, estendidos para adiante em atitude de quem nada para escapar do naufrágio. Queria parar e não podia. Tropeçava nas pedras salientes do caminho e elas mesmas serviam para dar-lhe mais impulso na queda.
- Corramos, vamos Pará-lo e ajuda-lo - dizia eu, enquanto estendia para ele as mãos.
- Não, deixa - dizia-me o guia.
- Por que não posso Pará-lo?
- Não sabes como é terrível a vingança de Deus?
Porventura crês que és capaz de parar alguém que foge da cólera acesa do Senhor?
Entrementes, o jovem, voltando a cabeça para trás e olhando com olhos esbugalhados para ver se a ira de Deus o perseguia, lançava-se ao fundo e ia chocar-se na porta de bronze, como se em sua fuga não pudesse encontrar melhor refúgio.
- Por que - perguntava eu - aquele jovem olha para trás com tanto espanto?
- Por que a ira de Deus atravessa todas as portas do Inferno e vai atormenta-los até em meio do fogo.
De fato, ante aquele encontrão, com estrondo se abriu a porta. Por trás dela abriram-se ao mesmo tempo, com estrondo ensurdecedor, duas, dez, cem, mil portas mais, empurradas pelo jovem que era levado por um torvelinho invisível, irresistível, velocíssimo. Todas essas portas de bronze, uma defronte à outra, embora a grande distância, ficavam um instante abertas. Vi no fundo, muito distante, como que a boca de um grande forno, e enquanto o jovem se precipitava naquela voragem, elevaram-se bolas de fogo. As portas voltaram a fechar-se com a mesma rapidez com que se haviam aberto. Tirei então minha caderneta para escrever o nome e o sobrenome daquele desgraçado, mas o guia, segurando-me pelo braço, intimou-se:
- Espera e observa novamente.
Olhei e presenciei outro espetáculo. Vi que por aquela vertente se precipitavam outros três jovens das nossas casas, os quais, à maneira de três pedras, rolavam rapidissimamente um após o outro. Tinham os braços abertos e urravam de terror.
Chegaram ao fundo e foram bater na primeira porta. No mesmo instante, reconheci todos os três. A porta se abriu e, por trás delas, as outras mil; os jovens foram empurrados no compridíssimo corredor, ouviu-se um prolongado rumor infernal, que se afastava mais e mais, e desapareceram, cerrando-se as portas.
Muitos outros pouco a pouco foram caindo atrás desses. Vi cair um pobrezinho empurrado por um pérfido companheiro. Uns caíam sós, outros acompanhados; uns seguros pelo braço e outros soltos, ainda que bastante juntos uns dos outros. Todos levavam escrito na fronte o seu pecado. Eu os chamava com grande aflição, enquanto caíam. Mas os jovens não me ouviam; retumbavam as portas infernais ao abrir-se, fechavam-se depois, e seguia-se um silêncio sepulcral.
- Eis uma das causas principais de tantas condenações - exclamou meu guia - maus livros, maus companheiros e hábitos perversos.

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