- Mas então é inútil trabalharmos em
nossos colégios, se tantos são os rapazes aos quais aguarda esse fim.
Não haverá nenhum outro remédio para impedir a perda de tantas almas?
Respondeu o guia: - Esse é o estado atual em que se encontram, e se morressem, para cá viriam sem mais.
- Nesse caso, deixa-me anotar seus nomes para que eu possa avisa-los e pô-los no caminho do Paraíso.
- E crês que alguns deles, avisado, se corrigiriam?
Num primeiro momento, o aviso os impressionará; depois o desprezarão, dizendo: "+ um sonho!",
e ficarão piores do que antes. Outros, sabendo-se descobertos,
freqüentarão os Sacramentos, mas sem boa vontade e sem mérito, porque
não o farão bem. Outros se confessarão, mas só por temor momentâneo do
Inferno, sem arrancar de seu coração o afeto ao pecado.
- Não há, então, remédio para esses desgraçados? Dá-me um remédio que possa salva-los.
- Eles têm superiores: que lhes obedeçam! Têm um regulamento: que o observem! Têm os Sacramentos: que os freqüentem!
Nesse meio tempo, precipitou-se outro bando de jovens, e as portas ficaram abertas por uns instantes.
- Entra tu também - me disse o guia.
Retrocedi horrorizado. Estava com a
idéia de que devia voltar logo ao Oratório para avisar os jovens e
segura-los pra que nenhum se perdesse. Mas o guia insistiu:
- Vem, e aprenderás muitas coisas. Diz-me, antes, porém: queres ir só ou acompanhado?
Disse isso para que eu reconhecesse a
insuficiência de minhas forças, e ao mesmo tempo a necessidade de sua
benévola assistência. Respondi:
- Só?! A esse lugar de horrores?! Sem ser ajudado por tua bondade?! Quem é que me poderia ensinar o caminho de volta?
Mas no mesmo instante senti-me cheio de coragem, pensando comigo mesmo:
- Só pode ir para o Inferno quem já foi julgado, e eu ainda não o fui.
Em conseqüência, exclamei resoluto:
- Entremos, pois!
Adentramos aquele estreito e horrível
corredor. Corríamos com a velocidade do relâmpago. Em cada uma das
portas interiores brilhava com tétrica luz uma inscrição ameaçadora.
Quando terminamos de percorre-lo, fomos parar num vasto e tenebroso
pátio, em cujo o fundo via-se uma grossa e horrível portinha, como
jamais vi igual, e nela estava escrita estas palavras: Ibunt impii in
ignem aeternum [Os ímpios irão para o fogo eterno]. Todas as paredes em
volta estavam cheias de inscrições. Pedi permissão para o guia para
lê-las, e me respondeu:
- A vontade.
- Então examinei tudo. Num lugar, vi
escrito: Dabo ignem in carnes eorum ut comburantur in sempiternum [Darei
fogo a suas carnes para que queime eternamente]. Cruciabuntur die ac
nocte in saecula saeculorum [Serão atormentados dia e noite pelos
séculos dos séculos]. Noutro lugar: Hic universitas malorum per omnia
saecula saeculorum [Aqui está o conjunto dos moles pelos séculos dos
séculos]. E noutro: Nullus est hic ordo, sed horror sempiternus
inhabitat [Aqui não há ordem, mas habita horror eterno]. Fumus
tormentorum suorum in aeternum ascendit [Eternamente estará subindo o
fumo de seus tormentos]. Non est pax impiis [Não há paz para os ímpios].
Clamor et stridor dentium [Clamor e ranger de dentes].
Enquanto eu estava lendo as inscrições a volta, o guia, que havia ficado no meio do pátio, aproximou-se e me disse :
- A partir daqui ninguém mais poderá
ter um companheiro que o sustente, um amigo que o conforte, um coração
que o ame, um olhar compassivo, uma palavra benévola; passamos a linha.
Queres ver ou experimentar?
- Só quero ver - Respondi.
- Vem, então - acrescentou o amigo, e tomou-me pela mão.
Levou-me assim adiante daquela
portinha e abriu-a . comunicava com um espaço em cujo fundo havia uma
grande cova fechada com uma ampla janela de um só cristal que ia desde o
piso até o teto, e através do qual se podia divisar o interior. Dei um
passo para trás e retrocedi até o umbral da porta, tomado por
indescritível terror.
Apareceu diante de meus olhos uma
espécie de imensa caverna que se perdia como que nas entranhas da
montanha, cheias de fogo, não comovemos na terra, com chamas vivas, mas
um fogo tal e tão ardente que tudo o que havia em torno estava torrado e
embranquecido pelo excessivo calor. Paredes, tetos, chão, ferro, pedra,
lenha, carvão, tudo estava branco e incandescente. Com certeza o fogo
era de milhares e milhares de graus de calor; mas nada se reduzia as
cinzas, nada se consumia.
Não sou capaz de descrever aquela
caverna em toda a sua espantosa realidade. Praeparata est enim ab hero
Thopheth, a rege praeparata, profunda et dilatata. Nutrimentum eius,
ignis et ligna multa: flatus Domini sicut torrens sulphuris succendens
eam (Isaías, 30, 33) [Desde muito tempo, foi Thopheth preparada por seu
dono, foi preparada pelo rei, profunda e larga. Seu alimento é fogo e
muita lenha; o sopro do Senhor, como uma torrente de enxofre, a mantém
acesa].
Enquanto eu olhava tudo aquilo
estarrecido, vejo inesperadamente cair com fúria incoercível um jovem
que, lançando um grito lancinante, como o de uma pessoa, que estivesse a
ponto de cair num lago de bronze derretido, se precipita no meio do
fogo, torna-se incandescente como toda a caverna e fica imóvel,
ressoando por uns instantes o eco de sua voz agoniada.
Cheio de horror, fechei os olhos no jovem, e pareceu-me um do oratório, um de meus filhos!
- Mas, não é este um de meus rapazes? - Perguntei ao guia - Não é fulano de tal?
- Sim, é ele - Me respondeu.
- E porque - Acrescentei - Não muda de posição? Como é que esta assim incandescente e não se consome?
- Preferiste ver, por isso agora não
me fales. Olha e verás. Ademais, omnis enim igne salietur et omnis
victima sale salietur (S. Marcos, 14, 15) [Será salgado com fogo e toda
vítima se condimentará com sal].
Mal havia voltado os olhos, quando
outro jovem, com furor desesperado e grandíssima velocidade, corre e se
precipita na mesma caverna. Também era do oratório. Mal caiu, já não se
moveu mais; também ele havia lançado um grito lancinante, e sua voz se
havia confundido, com o ultimo eco do grito do que cairá antes.
Chegaram depois outros igualmente
precipitados; seu numero aumentava cada vez mais, todos lançavam o mesmo
grito e ficavam imóveis incandescentes, como os que os tinham
precedido. Sonho do Santo Dom Bosco.
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