Meu coração se dilatou e eu disse para mim mesmo:
- Pouco me importa sofrer, desde que possa livrar dos tormentos estes meus queridos filhos.
- Vem, pois, dentro - prosseguiu o
amigo. E vê a bondade e a onipotência de Deus, que amorosamente emprega
mil meios de chamar a penitência teus jovens e salva-lo da morte eterna.
Tomou-me pela mão para introduzir-me
na caverna, mal pus os pés no umbral encontrei inesperadamente
transportado para uma magnífica sala com porta de cristal. Sobre estas, a
regular distancias pendiam largos véus que cobriam outros tantos
departamentos que comunicavam com a caverna.
O guia me indicou um dos véus, sobre o qual estava escrito "Sexto Mandamento", e exclamou:
- A transgressão desse Mandamento é a causa da ruína eterna de muitos jovens.
- Mas não se confessaram?
- Sim, confessaram-se, mas os pecados
contra a bela virtude, confessaram-nos mal ou calaram-nos por completo.
Por exemplo, um que havia cometido quatro ou cinco desses pecados,
confessou somente dois ou três. Há quem tenha cometido um só na meninice
e sempre teve vergonha de confessa-lo, ou o confessou mal, ou não disse
tudo. Outros não tiveram arrependimento nem propósito. Mais ainda:
alguns, em vez de examinar sua consciência, estudavam o modo de enganar o
confessor. E o que morre com tal resolução está disposto a ser do
número de condenados, e assim será para toda a eternidade. Só os que,
arrependidos de todo o coração, morrem com a esperança da eterna
salvação, esses serão eternamente felizes. E agora queres ver por que a
misericórdia de Deus te conduziu até aqui?
Levantei o véu e vi um grupo de
meninos do Oratório, todos meu conhecidos, condenados por esse pecado.
Entre eles havia alguns que, na aparência, têm boa conduta.
- Pelo menos agora me deixarás escrever os nomes desses meninos para poder adverti-los em particular.
- Não é preciso - me respondeu.
- Que devo então dizer a eles?
- Prega por toda a parte contra a
impureza. Basta avisa-los em geral, e não te esqueças de que, ainda que
os avises em particular, prometerão, mas nem sempre com firmeza. Para
conseguir isso se requer a graça de Deus, a qual, se pedida, jamais
faltará a teus jovens. O bom Deus manifesta especialmente seu poder em
Se compadecer e perdoar. Oração, pois, e sacrifício de tua parte. Quanto
aos jovens, que ouçam tuas exortações, interroguem suas consciências, e
ela lhes sugerirá o que devem fazer.
Estivemos então conversando cerca de
meia hora sobre as condições necessárias para fazer uma boa confissão.
Depois o guia repetiu várias vezes, erguendo a voz:
- Avertere!... Avertere!...
- Que significa essa exclamação?
- Mudar de vida, mudar de vida!...
Todo confuso por aquela revelação, baixei a cabeça e estava a ponto de me retirar, quando o guia me chamou dizendo:
- Ainda não viste tudo.
E dirigindo-se a outra parte, levantou
outro véu, sobre o qual estava escrito: Qui volunt divites fieri,
incident in tentationem et laqueum diaboli [Os que querem ficar ricos,
caem na tentação e no laço do demônio].
Li e exclamei:
- Isso não diz respeito aos meus
jovens, porque são pobres como eu; não somos ricos nem pretendemos
sê-lo. Nem sequer o imaginamos.
Removido o véu, apareceram no fundo
alguns meninos, todos meus conhecidos, que sofriam como os anteriores,
e, mostrando-os, me disse:
- Acho que é bem a teus meninos que essa inscrição diz respeito!
- Explica-me, pois, o porquê da palavra divites [ricos].
- Por exemplo, alguns dos teus jovens
têm o coração de tal maneira apegado a algum objeto material, que esse
afeto os afasta do amor de Deus, e por isso faltam com caridade, a
piedade, a mansidão. Não somente com o uso das riquezas se perverte o
coração, mas também com o desejo delas, sobretudo se esse desejo ofende a
justiça. Teus jovens são pobres, mas repara que a gula e o ócio são
péssimos conselheiros. Há alguns que em seus lugares de origem se
tornaram culpados de furtos significativos e, podendo, não penso em
restituir. Há quem estuda a maneira de abrir com chaves falsas a
dispensa; quem procura entrar no escritório do prefeito ou do ecônomo da
casa; quem vai remexer as malas dos companheiros para roubar-lhes
comestíveis, dinheiro ou livros para seu uso...
De uns e de outros me disse os nomes, e prosseguiu:
- Alguns se encontram aqui por se
terem apropriado de objetos do vestuário, roupa branca, cobertores e
colchas que pertenciam à rouparia do Oratório, para envia-los a suas
casas. Alguns, por terem causado voluntariamente danos graves e não os
terem reparado. Outros, por não terem devolvido coisas que lhes haviam
sido emprestadas; e alguns por terem retido somas de dinheiro que lhes
haviam sido confiadas para que as entregassem ao superior. E concluiu
dizendo:
- Já que tais pessoas te foram
indicadas, avisa-as; diz-lhes que rejeitem todos os desejos inúteis e
nocivos, que sejam obedientes à lei de Deus e zelosos de sua honra; se
não forem assim, a cobiça os arrastará a excessos piores que os
submergirão nas dores, na morte, na perdição.
Eu não conseguia entender como, para
certas coisas considerdas insignificantes pelos nossos jovens, haviam
sido preparados castigos tão horríveis. Mas o amigo cortou minhas
reflexões, dizendo:
- Recorda o que te foi dito diante do espetáculo dos cachos estragados da videira.
E levantou outro véu, que ocultava
muitos de nossos jovens, os quais logo reconheci, pois estão
presentemente no Oratório. Sobre o véu estava escrito: Radix omnium
malorum [Raiz de todos os males]. E logo me perguntou:
- Sabes o que significa isso? Sabes qual é o pecado indicado por essa epígrafe?
- Parece-me que só pode ser o do orgulho.
- Não - respondeu.
- Mas sempre ouvi dizer que o orgulho é a raiz de todo o pecado.
- Sim, genericamente é; mas, em
concreto, sabes qual foi o pecado que fez cair Adão e Eva no primeiro
pecado, em conseqüência do qual foram expulsos do Paraíso terrestre?
- A desobediência.
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