A RESPOSTA DO HOMEM A DEUS
142. Pela sua revelação,
«Deus invisível, na riqueza do seu amor, fala aos homens como amigos e
convive com eles, para os convidar e admitir à comunhão com Ele» (1). A
resposta adequada a este convite é a fé.
143. Pela fé,
o homem submete completamente a Deus a inteligência e a vontade; com
todo o seu ser, o homem dá assentimento a Deus revelador (2). A Sagrada
Escritura chama «obediência da fé» a esta resposta do homem a Deus
revelador (3).
ARTIGO 1
EU CREIO
I. A «obediência da fé»
144. Obedecer (ob-audire)
na fé é submeter-se livremente à palavra escutada, por a sua verdade
ser garantida por Deus, que é a própria verdade. Desta obediência, o
modelo que a Sagrada Escritura nos propõe é Abraão. A sua realização
mais perfeita é a da Virgem Maria.
ABRAÃO – «O PAI DE TODOS OS CRENTES»
145. A
Epístola aos Hebreus, no grande elogio que faz da fé dos antepassados,
insiste particularmente na fé de Abraão: «Pela fé, Abraão obedeceu ao chamamento de Deus, e partiu para uma terra que viria a receber como herança: partiu, sem saber para onde ia» (Heb 11,
8) (4). Pela fé, viveu como estrangeiro e peregrino na terra prometida
(5). Pela fé, Sara recebeu a graça de conceber o filho da promessa. Pela
fé, finalmente, Abraão ofereceu em sacrifício o seu filho único (6).
146.
Abraão realiza assim a definição da fé dada pela Epístola aos Hebreus:
«A fé constitui a garantia dos bens que se esperam, e a prova de que
existem as coisas que não se vêem» (Heb 11, 1). «Abraão acreditou em Deus, e isto foi-lhe atribuído como justiça» (Rm 4, 3) (7). «Fortalecido» por esta fé (Rm 4, 20), Abraão tornou-se «o pai de todos os crentes» (Rm 4, 11. 18) (8).
147.
O Antigo Testamento é rico em testemunhos desta fé. A Epístola aos
Hebreus faz o elogio da fé exemplar dos antigos, «que lhes valeu um bom
testemunho» (Heb 11, 2. 39). No entanto, para nós, «Deus previra
destino melhor»: a graça de crer no seu Filho Jesus, «guia da nossa fé,
que Ele leva à perfeição» (Heb 11, 40; 12, 2).
MARIA – «FELIZ AQUELA QUE ACREDITOU»
148. A
Virgem Maria realiza, do modo mais perfeito, a «obediência da fé». Na
fé, Maria acolheu o anúncio e a promessa trazidos pelo anjo Gabriel,
acreditando que «a Deus nada é impossível» (Lc 1, 37) (9) e dando o seu assentimento: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38). Isabel saudou-a: «Feliz aquela que acreditou no cumprimento de quanto lhe foi dito da parte do Senhor» (Lc 1, 45). É em virtude desta fé que todas as gerações a hão-de proclamar bem-aventurada (10).
149.
Durante toda a sua vida e até à última provação (11), quando Jesus, seu
filho, morreu na cruz, a sua fé jamais vacilou. Maria nunca deixou de
crer «no cumprimento» da Palavra de Deus. Por isso, a Igreja venera em
Maria a mais pura realização da fé.
II. «Eu sei em quem pus a minha fé» (2 Tm 1, 12)
CRER SÓ EM DEUS
150. Antes de mais, a fé é uma adesão pessoal do homem a Deus. Ao mesmo tempo, e inseparavelmente, é o assentimento livre a toda a verdade revelada por Deus. Enquanto
adesão pessoal a Deus e assentimento à verdade por Ele revelada, a fé
cristã difere da fé numa pessoa humana. É justo e bom confiar totalmente
em Deus e crer absolutamente no que Ele diz. Seria vão e falso ter
semelhante fé numa criatura (12).
CRER EM JESUS CRISTO, FILHO DE DEUS 151.
Para o cristão, crer em Deus é crer inseparavelmente n'Aquele que Deus
enviou – «no seu Filho muito amado» em quem Ele pôs todas as suas
complacências (13): Deus mandou-nos que O escutássemos (14). O próprio
Senhor disse aos seus discípulos: «Acreditais em Deus, acreditai também
em Mim» (Jo 14, 1). Podemos crer em Jesus Cristo, porque Ele
próprio é Deus, o Verbo feito carne: «A Deus, nunca ninguém O viu. O
Filho Unigénito, que está no seio do Pai, é que O deu a conhecer» (Jo 1, 18). Porque «viu o Pai» (Jo 6, 46), Ele é o único que O conhece e O pode revelar (15).
CRER NO ESPÍRITO SANTO
152. Não
é possível acreditar em Jesus Cristo sem ter parte no seu Espírito. É o
Espírito Santo que revela aos homens quem é Jesus. Porque «ninguém é
capaz de dizer: "Jesus é Senhor", a não ser pela acção do Espírito
Santo» (1 Cor 12, 3). «O Espírito penetra todas as coisas, até o
que há de mais profundo em Deus [...]. Ninguém conhece o que há em Deus
senão o Espírito de Deus» (1 Cor 2, 10-11). Só Deus conhece inteiramente Deus. Nós cremos no Espírito Santo, porque Ele é Deus.
A Igreja não cessa de confessar a sua fé num só Deus, Pai, Filho e Espírito Santo.
III. As características da fé
A FÉ É UMA GRAÇA
153. Quando
Pedro confessa que Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo, Jesus
declara-lhe que esta revelação não lhe veio «da carne nem do sangue, mas
do seu Pai que está nos Céus» (Mt 16, 17) (16). A fé é
um dom de Deus, uma virtude sobrenatural infundida por Ele. «Para
prestar esta adesão da fé, são necessários a prévia e concomitante ajuda
da graça divina e os interiores auxílios do Espírito Santo, o qual move
e converte o coração para Deus, abre os olhos do entendimento, e dá "a
todos a suavidade em aceitar e crer a verdade"» (17).
A FÉ É UM ACTO HUMANO
154.
O acto de fé só é possível pela graça e pelos auxílios interiores do
Espírito Santo. Mas não é menos verdade que crer é um acto
autenticamente humano. Não é contrário nem à liberdade nem à
inteligência do homem confiar em Deus e aderir às verdades por Ele
reveladas. Mesmo nas relações humanas, não é contrário à nossa própria
dignidade acreditar no que outras pessoas nos dizem acerca de si
próprias e das suas intenções, e confiar nas suas promessas (como, por
exemplo, quando um homem e uma mulher se casam), para assim entrarem em
mútua comunhão. Por isso, é ainda menos contrário à nossa dignidade
«prestar, pela fé, submissão plena da nossa inteligência e da nossa
vontade a Deus revelador» (18) e entrar assim em comunhão intima com
Ele.
155. Na fé, a inteligência e a vontade humanas cooperam com a graça divina: «Credere est actas intellectus assentientis veritati divinae ex imperio voluntatis, a Deo motae per gratiam» — «Crer
é o acto da inteligência que presta o seu assentimento à verdade
divina, por determinação da vontade, movida pela graça de Deus» (19).
A FÉ E A INTELIGÊNCIA
156. O motivo de
crer não é o facto de as verdades reveladas aparecerem como verdadeiras
e inteligíveis à luz da nossa razão natural. Nós cremos «por causa da
autoridade do próprio Deus revelador, que não pode enganar-se nem
enganar-nos» (20). «Contudo, para que a homenagem da nossa fé fosse
conforme à razão, Deus quis que os auxílios interiores do Espírito Santo
fossem acompanhados de provas exteriores da sua Revelação» (21). Assim,
os milagres de Cristo e dos santos (22), as profecias, a propagação e a
santidade da Igreja, a sua fecundidade e estabilidade «são sinais
certos da Revelação, adaptados à inteligência de todos» (23), «motivos
de credibilidade», mostrando que o assentimento da fé não é, «de modo
algum, um movimento cego do espírito» (24).
157. A fé é certa, mais
certa que qualquer conhecimento humano, porque se funda na própria
Palavra de Deus, que não pode mentir. Sem dúvida, as verdades reveladas
podem parecer obscuras à razão e à experiência humanas; mas «a certeza
dada pela luz divina é maior do que a dada pela luz da razão natural»
(25). «Dez mil dificuldades não fazem uma só dúvida» (26).
158. «A fé procura compreender»
(27): é inerente à fé o desejo do crente de conhecer melhor Aquele em
quem acreditou, e de compreender melhor o que Ele revelou; um
conhecimento mais profundo exigirá, por sua vez, uma fé maior e cada vez
mais abrasada em amor. A graça da fé abre «os olhos do coração» (Ef 1,
18) para uma inteligência viva dos conteúdos da Revelação, isto é, do
conjunto do desígnio de Deus e dos mistérios da fé, da íntima conexão
que os Liga entre si e com Cristo, centro do mistério revelado. Ora,
para «que a compreensão da Revelação seja cada vez mais profunda, o
mesmo Espírito Santo aperfeiçoa sem cessar a fé, mediante os seus dons»
(28). Assim, conforme o dito de Santo Agostinho, «eu creio para
compreender e compreendo para crer melhor» (29).
159. Fé e ciência. «Muito
embora a fé esteja acima da razão, nunca pode haver verdadeiro
desacordo entre ambas: o mesmo Deus, que revela os mistérios e comunica a
fé, também acendeu no espírito humano a luz da razão. E Deus não pode
negar-Se a Si próprio, nem a verdade pode jamais contradizer a verdade»
(30). «É por isso que a busca metódica, em todos os domínios do saber,
se for conduzida de modo verdadeiramente científico e segundo as normas
da moral, jamais estará em oposição à fé: as realidades profanas e as da
fé encontram a sua origem num só e mesmo Deus. Mais ainda: aquele que
se esforça, com perseverança e humildade, por penetrar no segredo das
coisas, é como que conduzido pela mão de Deus, que sustenta todos os
seres e faz que eles sejam o que são, mesmo que não tenha consciência
disso» (31).
A LIBERDADE DA FÉ
160. Para ser
humana, «a resposta da fé, dada pelo homem a Deus, deve ser voluntária.
Por conseguinte, ninguém deve ser constrangido a abraçara fé contra
vontade. Efectivamente, o acto de fé é voluntário por sua própria
natureza» (32). «E certo que Deus chama o homem a servi-Lo em espírito e
verdade; mas, se é verdade que este apelo obriga o homem em
consciência, isso não quer dizer que o constranja [...]. Isto foi
evidente, no mais alto grau, em Jesus Cristo» (33). De facto, Cristo
convidou à fé e à conversão, mas de modo nenhum constrangeu alguém. «Deu
testemunho da verdade, mas não a impôs pela força aos seus
contraditores. O seu Reino [...] dilata-se graças ao amor, pelo qual,
levantado na cruz, Cristo atrai a Si todos os homens (34)».
A NECESSIDADE DA FÉ
161.
Para obter a salvação é necessário acreditar em Jesus Cristo e n'Aquele
que O enviou para nos salvar (35). «Porque "sem a fé não é possível
agradar a Deus" (Heb 11, 6) e chegar a partilhar a condição de
filhos seus; ninguém jamais pode justificar-se sem ela e ninguém que não
"persevere nela até ao fim" (Mt 10, 22; 24, 13) poderá alcançar a vida eterna» (36).
A PERSEVERANÇA NA FÉ
162.
A fé á um dom gratuito de Deus ao homem. Mas nós podemos perder este
dom inestimável. Paulo adverte Timóteo a respeito dessa possibilidade:
«Combate o bom combate, guardando a fé e a boa consciência; por se
afastarem desse princípio é que muitos naufragaram na fé» (1 Tm 1,
18-19). Para viver, crescer e perseverar até ao fim na fé, temos de a
alimentar com a Palavra de Deus; temos de pedir ao Senhor que no-la
aumente (37); ela deve «agir pela caridade» (Gl 5, 6) (38), ser sustentada pela esperança (39) e permanecer enraizada na fé da Igreja.
A FÉ – VIDA ETERNA INICIADA
163. A
fé faz que saboreemos, como que de antemão, a alegria e a luz da visão
beatifica, termo da nossa caminhada nesta Terra. Então veremos Deus
«face a face» (1 Cor 13, 12), «tal como Ele é» (1 Jo 3, 2). A fé, portanto, é já o princípio da vida eterna:
«Enquanto, desde já, contemplamos os benefícios da fé, como
reflexo num espelho, é como se possuíssemos já as maravilhas que a nossa
fé nos garante havermos de gozar um dia» (40).
164. Por enquanto porém, «caminhamos pela fé e não vemos claramente» (2 Cor 5, 7), e conhecemos Deus «como num espelho, de maneira confusa, [...] imperfeita» (1 Cor,
13, 12). Luminosa por parte d'Aquele em quem ela crê, a fé é muitas
vezes vivida na obscuridade, e pode ser posta à prova. O mundo em que
vivemos parece muitas vezes bem afastado daquilo que a ,fé nos diz: as
experiências do mal e do sofrimento, das injustiças e da morte parecem
contradizer a Boa-Nova, podem abalar a fé e tornarem-se, em relação a
ela, uma tentação. 165. É então que nos devemos voltar para as testemunhas da fé: Abraão, que acreditou, «esperando contra toda a esperança» (Rm
4, 18); a Virgem Maria que, na «peregrinação da fé» (41), foi até à
«noite da fé» (42), comungando no sofrimento do seu Filho e na noite do
seu sepulcro (43); e tantas outras testemunhas da fé: «envoltos em
tamanha nuvem de testemunhas, devemos desembaraçar-nos de todo o fardo e
do pecado que nos cerca, e correr com constância o risco que nos é
proposto, fixando os olhos no guia da nossa fé, o qual a leva à
perfeição» (Heb 12, 1-2).
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