Ninguém Vai Tirar Você de Mim
Reginaldo Rossi
Não me canso de falar
Que eu te amo
E que ninguém vai tirar
Você de mim
Nada importa
Se eu tenho você comigo
Eu por você faço tudo
Pode crer no que eu digo
Sou feliz
E nada mais me interessa
Não vou ser triste
Nem chorar por mais ninguém
Esqueço tudo, até de mim
Quando estou perto de você
Eu fico triste só de pensar em te perder
O nosso amor é puro
Espero nunca acabar
Por isso meu bem até juro
De nunca em nada mudar
Mas se ficar um só momento
Sozinho, sem te ver
Eu fico triste só de pensar em te perder
O INFERNO
Na noite de
domingo, 3 de maio de 1869, festa do Patrocínio de São José, Dom Bosco
retornou a narração do que tinha visto nos seus sonhos.
- Devo - principiou - contar-vos outro
sonho, que se pode considerar conseqüência dos que vos narrei na 5ª e
na 6ª feira à noite, os quais me deixaram tão cansado, que dificilmente
me podia manter em pé. Chamai-lhes sonhos ou dai-lhes outro nome...;
chamai-lhes como quiserdes.
- Por que não falas?
Voltei-me para o lugar de onde
procedia a voz e vi junto ao meu leito um personagem distinto. Tendo
compreendido o motivo da censura, perguntei-lhe:
- E que deverei dizer a nossos jovens?
- O que viste e te foi dito nos últimos sonhos, e também o que desejavas conhecer, e que te será revelado na próxima noite.
E desapareceu.
No dia seguinte inteiro, estive
pensando na péssima noite que haveria de passar; e chegada a hora, não
me decidia a ir dormir. Fiquei lendo, sentado à mesa, até meia noite.
Enchia-me de terror a idéia de ter que presenciar ainda outros
espetáculos terríveis. Fiz, afinal, violência sobre mim mesmo e fui
deitar-me.
Para não dormir tão rapidamente, com
temor de que a imaginação me levasse aos costumeiros sonhos, apoiei o
travesseiro na parede, de modo a ficar quase sentado no leito. Mas, como
estava moído de cansaço, sem que me desse conta o sono logo se apoderou
de mim. E eis que de repente vejo no quarto, junto a minha cama, o
homem da noite anterior, o qual me diz:
- Levanta-te e vem comigo!
- Rogo-te, por caridade - lhe respondi
- deixa-me tranqüilo, pois estou cansado demais. Há vários dias sou
atormentado pela dor de dentes. Deixa-me descansar. Tive sonhos
espantosos; estou extenuado.
Dizia isso também porque a aparição desse homem é sempre sinal de grande agitação, cansaço e terror.
- Levanta-te, que não há tempo a perder! - me respondeu.
Então levantei-me e segui-o. No caminho, perguntei:
- Aonde me queres levar desta vez?
- Vem e verás.
Conduziu-me a um lugar onde se
estendia uma imensa planície. Olhei à volta, meã de lado algum conseguia
ver os confins dela, de tal forma era ela extensa. Era um verdadeiro
deserto! Não aparecia ser vivo algum. Não se via nem uma planta nem um
rio; a vegetação seca e amarelecida mostrava aspecto desolador. Não
sabia onde me encontrava, nem o que iria fazer. Durante alguns instantes
perdi de vista o guia. Receei me ter perdido. Não estavam comigo nem o
Padre Rua, nem o Padre Francesia, nem ninguém mais. Eis que descubro de
novo o amigo, que vinha a meu encontro. Respirei e lhe perguntei:
- Onde estou?
- Vem comigo e verás.
- Bem, irei contigo.
Caminhava ele na frente e eu o seguia
em silêncio. Após uma longa e triste caminhada, pensando que precisaria
atravessar toda a imensa planície, dizia para mim mesmo:
- Pobres de meus dentes! Pobre de mim, com as pernas inchadas!...
De repente, sem saber como, aparece diante de mim uma estrada. Rompi então o silêncio, perguntando ao meu guia:
- Aonde vamos agora?
- Por aqui - respondeu-me.
E nos encaminhamos por aquela estrada.
Era bonita, larga, espaçosa e bem pavimentada. Via peccantium
complanata lapidibus, et in fine illorum inferi, et tenebrae, et poenae
(Eclesiástico, 21, 11) [O caminho dos pecadores é muito bem pavimentado,
mas no final dele estão o inferno, as trevas e os castigos].
Nos dois lados do caminho, havia duas
belíssimas sebes, verdes e cobertas de flores encantadoras. As rosas,
especialmente, brotavam por todas as partes entres as folhas. + primeira
vista esse caminho parecia plano e cômodo; e sem suspeitar de nada, me
pus a caminhar por ele. Mas à medida que prosseguia, notei que ia
imperceptivelmente declinado e, ainda que não parecesse muito rápida e
descida, sem embargo disso eu corria a uma tal velocidade que parecia
estar sendo levado pelo vento. Mais ainda, dei-me conta de que avançava
quase sem mover os pés, tão rápida era nossa carreira. Refletindo que
retornar depois por uma estrada tão longa me custaria grande esforço e
fadiga, perguntei ao amigo:
- Como é que faremos para voltar depois ao Oratório?
- Não te preocupes - me respondeu - o
Senhor é onipotente e quer que tu vás. Quem te conduz e te mostra como
ir para a frente saberá também reconduzir-te de volta.
O caminho baixava sempre.
Continuávamos nosso trajeto por entre flores e rosas, quando, pelo mesmo
caminho, vi os meninos do Oratório, juntamente com muitíssimos outros
companheiros que eu jamais vira antes, caminhando atrás de mim. E
encontrei-me no meio deles. Enquanto os observava, de repente vejo que
ora um, oura outro, caíam, e em seguida eram arrastados por uma força
invisível rumo a uma horrível encosta que se entrevia à distância, a
qual depois vi que ia dar numa fornalha. Perguntei a meu companheiro:
- Que é que faz cair esses jovens?
Funes extenderunt in laqueum; iuxta iter scandalum posuerunt (Salmo 139)
[Estenderam cordas à maneira de rede; junto do caminho puseram
tropeços].
- Aproxima-te um pouco mais - respondeu.
Aproximei-me e vi que os meninos
passavam entre muitos laços, alguns postos à altura do chão, outros à
altura da cabeça; estes últimos não se viam. Dessa forma, muitos jovens,
enquanto caminhavam sem dar-se conta do perigo, eram colhidos pelos
laços; no momento de ser colhidos davam um salto, depois caíam no solo
com as pernas para o ar e, levantando-se, se punham em desabalada
corrida para o abismo. Um era agarrado pela cabeça, outro pelo pescoço,
outro pelas mãos, por um braço, por uma perna, pela cintura, e
imediatamente depois eram arrastados. Os laços estendidos pela terra,
que mal se podiam ver, eram parecidos com estopa. Lembravam uns fios de
aranha, e não pareciam muito nocivos. Sem embargo, vi que também os
jovens colhidos por tais laços caíam quase todos por terra.
Eu estava espantado. E o guia me disse:
- Sabes o que é isso?
- Um pouco de estopa, não mais do que isso - respondi.
- Menos ainda do que isso; é quase nada - acrescentou. + apenas o respeito humano.
Vendo, entretanto, que muitos continuavam a se enredar nesses laços, perguntei:
- Mas como é que tantos ficam atados
por meio desses fios? Quem é que tantos ficam atados por meio desses
fios? Quem é que os arrasta desse modo?
- Aproxima-te mais, olha e verás.
Olhei um pouco e disse: - Não estou vendo nada.
- Olha um pouco melhor - repetiu.
Segurei então um dos laços, puxei-o
para mim e notei que sua ponta não aparecia; puxei um pouco mais, mas
não conseguia ver onde é que terminava aquele fio; pelo contrário, notei
que também a mim ele me arrastava. Segui então o fio e cheguei à boca
de uma espantosa caverna. Parei, porque não queria entrar naquela
voragem; puxei para mim o fio e percebi que ele cedia um pouquinho. Mas
era necessário fazer muita força. Depois de muito puxar, pouco a pouco
foi saindo fora da caverna um feio e grande monstro que causava
repugnância e segurava fortemente um cabo ao qual estavam atados todos
os laços. Era ele que, mal caía alguém na rede, imediatamente o puxava
para si.
- + inútil - pensei comigo - competir
em força com este monstro medonho, porque não sou capaz de vence-lo; o
melhor é combate-lo com o sinal da Santa Cruz e com jaculatórias.
Voltei, pois, para junto do meu guia, e ele me disse:
- Já sabes agora o que é?
- Sim! Já sei, é o demônio que estende esses laços para fazer meus jovens caírem no Inferno.
Observei então com atenção os muitos
laços e vi que cada um deles lavava escrito seu próprio título: laço da
soberba, da desobediência, da inveja, da impureza, do roubo, da gula, da
preguiça, da ira etc.
Feito isso, coloquei-me um pouco atrás
para observar quais daqueles laços colhiam maior número de jovens. Eram
os da impureza, da desobediência e do orgulho. A este último estavam
atados os outros dois. Além desses vi muitos outros laços que faziam
grande estrago, mas não tanto como os primeiros. Sem parar de observar,
vi que muitos jovens corriam mais precipitadamente que outros, e
perguntei:
- Por que essa velocidade?
- Porque - foi-me respondido - são arrastados pelos laços do respeito humano.
Olhando ainda mais atentamente, vi que
por entre os laços havia muitas facas espalhadas, ali colocadas por mão
providencial, e serviam para corta-los e rompe-los. A faca maior era
contra o laço do orgulho, e representava a meditação. Outra faca também
grande, mas um pouco menor, significava a leitura espiritual bem feita.
Havia também duas espadas. Uma delas indicava a devoção ao Santíssimo
Sacramento, especialmente com a Comunhão freqüente; a outra, a devoção a
Nossa Senhora. Havia também um martelo: a confissão. Havia outras
facas, símbolo das várias devoções: a São José, a São Luís de Gonzaga
etc. etc. Com estas armas não poucos rompiam os laços quando eram
presos, ou se defendiam para não serem atados.
Vi, com efeito, jovens que passavam
entre os laços sem nunca serem colhidos: ou passavam antes que o laço
caísse, ou sabiam esquiva-lo e o laço escorregava sobre os ombros, sobre
as costas, de um lado ou de outro, sem, contudo poder aprisiona-los.
Quando o guia se deu conta de que eu
havia observado tudo, fez-me continuar o caminho bordado de rosas que, à
medida que avançávamos, iam-se tornando mais raras, ao passo que
começavam a se fazer notar enormes espinhos.
Chegamos a um ponto em que, por mais
que olhasse, já não encontrava rosa alguma, e no final as sebes se
haviam tornado só de espinhos, desfolhadas e secas pelo sol. Das moitas
dispersas e ressecadas partiam galhos que serpenteavam pelo solo e
impediam o caminho, semeando-o de tal maneira com espinhos que só com
grande dificuldade se podia andar.
Havíamos chegado a uma baixada cujas
ribanceiras ocultavam as demais regiões vizinhas; o caminho, sempre em
declive, se tornava cada vez mais horrível, sem pavimentação, cheio de
buracos, degraus, pedras e rochas arredondadas.
Havia perdido de vista a todos os meus
jovens, muitíssimos dos quais haviam saído daquele caminho traiçoeiro
para tomar outros rumos.
Continuei caminhando. Quanto mais
avançava, mais áspera e rápida era a descida, de modo que às vezes
resvalava e caía por terra, onde ficava um pouco para retomar o fôlego.
De tempos em tempos o guia me sustentava e me ajudava a levantar. A cada
passo as articulações se me dobravam e parecia que meu ossos se iam
desconjuntar. Ofegante, eu dizia ao que me guiava:
- Meu amigo, minhas pernas já não podem me sustentar: estou tão esgotado que me é impossível prosseguir a caminhada.
O guia não respondeu, mas fazendo-me
sinal para ter ânimo continuou o caminho; até que, vendo-me suado e
morto de cansaço, conduziu-me a um patamarzinho que havia na entrada.
Sentei-me, respirei profundamente e me pareceu descansar um pouco. Eu
olhava entrementes o caminho percorrido: parecia quase vertical, semeado
de espinhos e pedras ponteagudas. Olhava depois o caminho que ainda
devia percorrer e fechava os olhos aturdido. Por fim, exclamei:
- Por caridade, voltemos par trás. Se
continuamos adiante, como faremos para retornar ao Oratório? Serme-á
impossível subir essa encosta.
O guia respondeu resolutamente:
- Agora que chegamos a este ponto, queres que te deixe só?
Diante da ameaça, exclamei em tom dolorido: - Sem ti, como poderei voltar para trás ou continuar a viagem.
- Pois bem, segue-me - acrescentou.
Levantei-me e continuamos descendo. O
caminho se tornava cada vez mais espantoso e intransitável, de modo que
mal podia manter-me em pé.
Eis que no fundo desse precipício, que
terminava num vale sombrio, apareceu um imenso edifício que exibia,
diante de nosso caminho, uma porta altíssima, fechada. Chegamos ao fundo
do precipício. Um calor sufocante me oprimia e uma densa fumaça
esverdeada se elevava em torno das muralhas, marcadas por chamas cor de
sangue. Levantei os olhos para ver a altura dos muros; eram mais altos
que uma montanha. Perguntei ao guia:
- Onde é que nos encontramos? Que é isso?
- Lê naquela porta - respondeu - pela inscrição saberás onde estamos.
Olhei e vi escrito na porta: Ubi non est redemptio [onde não há redenção]. Dei-me conta de que estávamos na porta do Inferno.
O guia me levou a fazer o contorno das
muralhas daquela horrível cidade. De espaço a espaço, a distância
regular, via-se uma porta de bronze como a primeira, também no ponto
final de uma espantosa vertente, e todas tinham uma inscrição latina
distinta das anteriores.
Discedite, maledicti, in ignem
aeternum, qui paratus est diabolo et Angelis eius... Omnis arbor quae
non facit fructum bonum excidetur et in ignem mittetur [Afastai-vos,
malditos, ide para o fogo eterno que está preparado para o diabo e seus
anjos... Toda árvore que não der bom fruto será cortada e lançada ao
fogo].
Apanhei um lápis para copiar as inscrições; mas o guia me disse:
- Que estás fazendo?
- Tomo nota destas inscrições.
- Não é preciso; tu as tens todas na Escritura. Algumas delas até as mandaste colocar nas portas [de teu Oratório].
Diante de tal espetáculo, eu teria
desejado voltar para trás e marchar para o Oratório; já havia dado
alguns passos, mas meu guia nem se moveu. Percorremos um imenso e
profundíssimo barranco e novamente nos encontramos diante da primeira
porta, aos pés da vertente por onde havíamos descido. De repente o guia
recuou e, com o rosto entristecido e desfeito, fez sinal para que me
afastasse, dizendo:
- Observa!
Assustado, voltei os olhos para trás e
vi a uma grande distância, por aquele rapidíssimo caminho, alguém que
caía precipitadamente. Conforme ia se aproximando, procurava fixar-lhe o
rosto; afinal reconheci nele um dos meus jovens. Seus cabelos, em parte
desordenados e eriçados, em parte lançados para trás por efeito do
vento; seus braços, estendidos para adiante em atitude de quem nada para
escapar do naufrágio. Queria parar e não podia. Tropeçava nas pedras
salientes do caminho e elas mesmas serviam para dar-lhe mais impulso na
queda.
- Corramos, vamos Pará-lo e ajuda-lo - dizia eu, enquanto estendia para ele as mãos.
- Não, deixa - dizia-me o guia.
- Por que não posso Pará-lo?
- Não sabes como é terrível a vingança de Deus?
Porventura crês que és capaz de parar alguém que foge da cólera acesa do Senhor?
Entrementes, o jovem, voltando a
cabeça para trás e olhando com olhos esbugalhados para ver se a ira de
Deus o perseguia, lançava-se ao fundo e ia chocar-se na porta de bronze,
como se em sua fuga não pudesse encontrar melhor refúgio.
- Por que - perguntava eu - aquele jovem olha para trás com tanto espanto?
- Por que a ira de Deus atravessa todas as portas do Inferno e vai atormenta-los até em meio do fogo.
De fato, ante aquele encontrão, com
estrondo se abriu a porta. Por trás dela abriram-se ao mesmo tempo, com
estrondo ensurdecedor, duas, dez, cem, mil portas mais, empurradas pelo
jovem que era levado por um torvelinho invisível, irresistível,
velocíssimo. Todas essas portas de bronze, uma defronte à outra, embora a
grande distância, ficavam um instante abertas. Vi no fundo, muito
distante, como que a boca de um grande forno, e enquanto o jovem se
precipitava naquela voragem, elevaram-se bolas de fogo. As portas
voltaram a fechar-se com a mesma rapidez com que se haviam aberto. Tirei
então minha caderneta para escrever o nome e o sobrenome daquele
desgraçado, mas o guia, segurando-me pelo braço, intimou-se:
- Espera e observa novamente.
Olhei e presenciei outro espetáculo.
Vi que por aquela vertente se precipitavam outros três jovens das nossas
casas, os quais, à maneira de três pedras, rolavam rapidissimamente um
após o outro. Tinham os braços abertos e urravam de terror.
Chegaram ao fundo e foram bater na
primeira porta. No mesmo instante, reconheci todos os três. A porta se
abriu e, por trás delas, as outras mil; os jovens foram empurrados no
compridíssimo corredor, ouviu-se um prolongado rumor infernal, que se
afastava mais e mais, e desapareceram, cerrando-se as portas.
Muitos outros pouco a pouco foram
caindo atrás desses. Vi cair um pobrezinho empurrado por um pérfido
companheiro. Uns caíam sós, outros acompanhados; uns seguros pelo braço e
outros soltos, ainda que bastante juntos uns dos outros. Todos levavam
escrito na fronte o seu pecado. Eu os chamava com grande aflição,
enquanto caíam. Mas os jovens não me ouviam; retumbavam as portas
infernais ao abrir-se, fechavam-se depois, e seguia-se um silêncio
sepulcral.
- Eis uma das causas principais de tantas condenações - exclamou meu guia - maus livros, maus companheiros e hábitos perversos.
Os laços que antes havia visto eram os
que arrastavam os jovens ao precipício. Ao ver caírem tantos deles,
disse com voz desolada:
- Mas então é inútil trabalharmos em
nossos colégios, se tantos são os rapazes aos quais aguarda esse fim.
Não haverá nenhum outro remédio para impedir a perda de tantas almas?
Respondeu o guia: - Esse é o estado atual em que se encontram, e se morressem, para cá viriam sem mais.
- Nesse caso, deixa-me anotar seus nomes para que eu possa avisa-los e pô-los no caminho do Paraíso.
- E crês que alguns deles, avisado, se corrigiriam?
Num primeiro momento, o aviso os impressionará; depois o desprezarão, dizendo: "+ um sonho!",
e ficarão piores do que antes. Outros, sabendo-se descobertos,
freqüentarão os Sacramentos, mas sem boa vontade e sem mérito, porque
não o farão bem. Outros se confessarão, mas só por temor momentâneo do
Inferno, sem arrancar de seu coração o afeto ao pecado.
- Não há, então, remédio para esses desgraçados? Dá-me um remédio que possa salva-los.
- Eles têm superiores: que lhes obedeçam! Têm um regulamento: que o observem! Têm os Sacramentos: que os freqüentem!
Nesse meio tempo, precipitou-se outro bando de jovens, e as portas ficaram abertas por uns instantes.
- Entra tu também - me disse o guia.
Retrocedi horrorizado. Estava com a
idéia de que devia voltar logo ao Oratório para avisar os jovens e
segura-los pra que nenhum se perdesse. Mas o guia insistiu:
- Vem, e aprenderás muitas coisas. Diz-me, antes, porém: queres ir só ou acompanhado?
Disse isso para que eu reconhecesse a
insuficiência de minhas forças, e ao mesmo tempo a necessidade de sua
benévola assistência. Respondi:
- Só?! A esse lugar de horrores?! Sem ser ajudado por tua bondade?! Quem é que me poderia ensinar o caminho de volta?
Mas no mesmo instante senti-me cheio de coragem, pensando comigo mesmo:
- Só pode ir para o Inferno quem já foi julgado, e eu ainda não o fui.
Em conseqüência, exclamei resoluto:
- Entremos, pois!
Adentramos aquele estreito e horrível
corredor. Corríamos com a velocidade do relâmpago. Em cada uma das
portas interiores brilhava com tétrica luz uma inscrição ameaçadora.
Quando terminamos de percorre-lo, fomos parar num vasto e tenebroso
pátio, em cujo o fundo via-se uma grossa e horrível portinha, como
jamais vi igual, e nela estava escrita estas palavras: Ibunt impii in
ignem aeternum [Os ímpios irão para o fogo eterno]. Todas as paredes em
volta estavam cheias de inscrições. Pedi permissão para o guia para
lê-las, e me respondeu:
- A vontade.
- Então examinei tudo. Num lugar, vi
escrito: Dabo ignem in carnes eorum ut comburantur in sempiternum [Darei
fogo a suas carnes para que queime eternamente]. Cruciabuntur die ac
nocte in saecula saeculorum [Serão atormentados dia e noite pelos
séculos dos séculos]. Noutro lugar: Hic universitas malorum per omnia
saecula saeculorum [Aqui está o conjunto dos moles pelos séculos dos
séculos]. E noutro: Nullus est hic ordo, sed horror sempiternus
inhabitat [Aqui não há ordem, mas habita horror eterno]. Fumus
tormentorum suorum in aeternum ascendit [Eternamente estará subindo o
fumo de seus tormentos]. Non est pax impiis [Não há paz para os ímpios].
Clamor et stridor dentium [Clamor e ranger de dentes].
Enquanto eu estava lendo as inscrições a volta, o guia, que havia ficado no meio do pátio, aproximou-se e me disse :
- A partir daqui ninguém mais poderá
ter um companheiro que o sustente, um amigo que o conforte, um coração
que o ame, um olhar compassivo, uma palavra benévola; passamos a linha.
Queres ver ou experimentar?
- Só quero ver - Respondi.
- Vem, então - acrescentou o amigo, e tomou-me pela mão.
Levou-me assim adiante daquela
portinha e abriu-a . comunicava com um espaço em cujo fundo havia uma
grande cova fechada com uma ampla janela de um só cristal que ia desde o
piso até o teto, e através do qual se podia divisar o interior. Dei um
passo para trás e retrocedi até o umbral da porta, tomado por
indescritível terror.
Apareceu diante de meus olhos uma
espécie de imensa caverna que se perdia como que nas entranhas da
montanha, cheias de fogo, não comovemos na terra, com chamas vivas, mas
um fogo tal e tão ardente que tudo o que havia em torno estava torrado e
embranquecido pelo excessivo calor. Paredes, tetos, chão, ferro, pedra,
lenha, carvão, tudo estava branco e incandescente. Com certeza o fogo
era de milhares e milhares de graus de calor; mas nada se reduzia as
cinzas, nada se consumia.
Não sou capaz de descrever aquela
caverna em toda a sua espantosa realidade. Praeparata est enim ab hero
Thopheth, a rege praeparata, profunda et dilatata. Nutrimentum eius,
ignis et ligna multa: flatus Domini sicut torrens sulphuris succendens
eam (Isaías, 30, 33) [Desde muito tempo, foi Thopheth preparada por seu
dono, foi preparada pelo rei, profunda e larga. Seu alimento é fogo e
muita lenha; o sopro do Senhor, como uma torrente de enxofre, a mantém
acesa].
Enquanto eu olhava tudo aquilo
estarrecido, vejo inesperadamente cair com fúria incoercível um jovem
que, lançando um grito lancinante, como o de uma pessoa, que estivesse a
ponto de cair num lago de bronze derretido, se precipita no meio do
fogo, torna-se incandescente como toda a caverna e fica imóvel,
ressoando por uns instantes o eco de sua voz agoniada.
Cheio de horror, fechei os olhos no jovem, e pareceu-me um do oratório, um de meus filhos!
- Mas, não é este um de meus rapazes? - Perguntei ao guia - Não é fulano de tal?
- Sim, é ele - Me respondeu.
- E porque - Acrescentei - Não muda de posição? Como é que esta assim incandescente e não se consome?
- Preferiste ver, por isso agora não
me fales. Olha e verás. Ademais, omnis enim igne salietur et omnis
victima sale salietur (S. Marcos, 14, 15) [Será salgado com fogo e toda
vítima se condimentará com sal].
Mal havia voltado os olhos, quando
outro jovem, com furor desesperado e grandíssima velocidade, corre e se
precipita na mesma caverna. Também era do oratório. Mal caiu, já não se
moveu mais; também ele havia lançado um grito lancinante, e sua voz se
havia confundido, com o ultimo eco do grito do que cairá antes.
Chegaram depois outros igualmente
precipitados; seu numero aumentava cada vez mais, todos lançavam o mesmo
grito e ficavam imóveis incandescentes, como os que os tinham
precedido.
Observei que o primeiro teria ficado
com a mão no ar e com o pé também suspenso no alto o segundo havia
ficado como que dobrado para baixo. Uns tinham os pés no ar; outros, a
cara contra o solo; outros, estavam como que suspensos, sustentando-se
com um só pé e com uma só mão. Havia os sentados ou estendidos, apoiados
de um lado em pé ou de joelhos, com as mãos entre os cabelos. Havia,
por fim, um grande número de jovens como estatuas, em posições cada qual
mais dolorosa.
Vieram ainda muitos mais aquela
fornalha. Jovens que em parte eu conhecia e em parte eram desconhecidos.
Lembrei-me então do que está escrito na Bíblia: como se cai pela
primeira vez no inferno, assim se estará eternamente. Lignum, in
quocumque loco ceciderit, ibi erit [onde cair a árvore, ali ficará].
Aumentava em mim o espanto, e perguntei ao guia:
- Mas esses que ocorrem com tanta velocidade, não sabem que vem ter aqui?
- Oh, sim! Sabem que vão para o fogo!
Foram avisado mil vezes, mas correm voluntariamente por causa do pecado,
que não detesta e não querem abandonar, porque desprezaram e rechaçaram
a misericórdia de Deus que incessantemente os chamava a penitência. Por
isso a justiça Divina, provocada, os empurra, os insta, os persegue e
não podem parar enquanto não chegam a este lugar.
Qual não deve ser o desespero destes
desgraçados sem a menor esperança de sair daqui! - Exclamei. - Queres
conhecer as inquietações e os furores das almas deles? Aproxima-te um
pouco mais - Respondeu o guia.
Dei alguns passos para a janela, e vi
que muitos daqueles miseráveis se golpeava e feriam uns aos outros e se
mordiam como cães raivosos; outros se arranhavam o rosto, se laceravam
as mãos, despedaçavam as próprias carnes e as atiravam pelo ar com
desprezo. De repente, o teto da caverna se tornou transparente, como de
cristal, e através dele se via um pedaço do céu e as radiantes figuras
de seus companheiros para sempre salvos.
Os condenados bramiam com feroz
inveja, porque os justos haviam sido olhados por ele, em certo tempo,
como objeto de irrisão. Peccator videbit et irascetur; dentibus suis
fremet et tabescet [O pecador verá e se encolerizará a seus dentes
rangerão].
- Diz-me - Perguntei a meu guia - Como é que não se ouve nenhuma voz?
- Aproxima-te ainda mais - me gritou.
Aproximei-me do cristal da janela e
ouvi que uns rugiam e choravam contorcendo-se; outros blasfemavam e
imprecavam os santos. Aquilo tudo era um caos de vozes e gritos autos e
confusos, pelo que perguntei ao meu amigo:
Que dizem eles? Que estão gritando?
- Recordando a sorte de seus
companheiros bons, vêem-se obrigados a confessar: Nos insensati! Vitam
illorum aestimabamus insaniam et finem illorum sine honoré [Nós,
insensatos considerávamos uma loucura a vida que levavam, e seu fim sem
honra]. Ecce quomodo computati sunt inter filios Dei et inter sanctos
sors illorum est. Ergo erravimus a via veritatis [Eis que foram contados
no numero dos filhos de Deus e sua sorte juntamente com a dos santos.
Nós nos afastamos, pois, do caminho da verdade].
Por isso gritam: Lasati sumus in via
iniquitatis et perditionis. Erravimus per vias difficiles, viam autem
Domini ignoravimus [Corremos pelo caminho da iniqüidade e da perdição.
Perdemo-nos por caminhos difíceis e não conhecemos o caminho do Senhor].
Quid nobis profuit superbia? [De que nos serviu nosso orgulho?]
Transierunt omnia illa tanquam umbra [Tudo passou como uma sombra].
Estes são os lúgubres cantos que ali
ressoarão por toda a eternidade. Mas inúteis gritos, inúteis esforços,
inútil pranto! Omnis dolor irruet super eos! [Toda a dor cairá sobre
eles]. Aqui já não há tempo, há só eternidade.
Enquanto contemplava, cheio de horror, o estado de muitos de meus jovens, assaltou-me imprevistamente uma idéia:
- Mas como é possível que os que se
encontram aqui estejam todos condenados? Estes jovens estavam ontem à
tarde vivos no Oratório.
O amigo me disse: - Os que aqui vês
vivem, mas estão mortos para a graça de Deus, e se morressem agora ou
continuassem procedendo como no presente, se condenariam. Mas não
percamos tempo; sigamos adiante.
E me afastou daquele lugar, e por um
corredor que baixava a um profundo subterrâneo me conduziu a outro em
cuja entrada estava escrito:
Vermis eorum non moritur, et ignis non
extinguitur... Dabit Dominus omnipotens ignem et vermes in carnes
eorum, ut urantur et sentiant usque in sempiternum (Judite 16, 21) [ Seu
verme não morrerá e o fogo não se extinguirá... O Senhor onipotente
dará fogo e vermes a suas carnes para que ardam e sofram eternamente].
Ali se contemplava o espetáculo dos atrozes remorsos dos que foram educados em nossas casas.
A recordação de todos e de cada um dos
pecados não perdoados e sua justa condenação! A de terem tido mil
remédios até mesmo extraordinários para se converterem ao Senhor, para
serem perseverantes no bem, para ganharem o paraíso! A recordação de
tantas graças prometidas, oferecidas e dadas por Maria Santíssima e não
correspondidas! Terem podido se salvar com tão pouco esforço e
perderem-se irremissivelmente para sempre! Lembrarem de tantos bons
propósitos feitos e não compridos! Ah! Bem diz o provérbio que o inferno
está cheia de boas intenções não realizadas!
Ali voltei a ver todos os jovens do
oratório que havia visto pouco antes naquele forno (Alguns dos quais me
estão ouvindo neste momento; outros já estiveram conosco, outros eu não
conhecia). Aproximei-me e observei que todos estavam cheios de vermes e
animais asquerosos que lhes roíam e consumiam o coração, os olhos, as
mãos, as pernas, os braços, de maneira tão miserável que nem sei
exprimir com palavras. Estavam imóveis, expostos a toda espécie de
moléstias, e não podiam defender-se de modo algum.
Aproximei-me ainda mais para que me
vissem esperando poder falar-lhes para que me dissessem algo, mas nenhum
falava e nem me olhava. Perguntei então ao guia a causa disso, e me foi
respondido que no outro mundo os condenados não tem liberdade. Cada um
sofre ali todo o castigo que Deus lhe impôs, sem que possa haver mutação
de espécie alguma.
- Agora é preciso - Acrescentou - que também tu vás ao meio daquela região de fogo que viste.
- Não, não! - Respondi aterrorizado -
Para ir ao inferno é preciso ser antes julgado; eu ainda não o fui. Não
quero, pois, ir ao inferno.
- Diz-me - observou o amigo - o que te
parece melhor; ir ao inferno e livrar teus jovens, ou ficares fora e
deixa-los no meio de tantos tormentos?
- Atordoados diante desta proposta, respondi:
- Oh! Quero muito a meus caros jovens,
quero que todos se salvem. Mas não poderíamos fazer de tal forma que
nem eles nem eu entremos ai?
- Ainda estas em tempo - me respondeu o amigo - e também eles estão, desde que faças tudo o que podes.
Meu coração se dilatou e eu disse para mim mesmo:
- Pouco me importa sofrer, desde que possa livrar dos tormentos estes meus queridos filhos.
- Vem, pois, dentro - prosseguiu o
amigo. E vê a bondade e a onipotência de Deus, que amorosamente emprega
mil meios de chamar a penitência teus jovens e salva-lo da morte eterna.
Tomou-me pela mão para introduzir-me
na caverna, mal pus os pés no umbral encontrei inesperadamente
transportado para uma magnífica sala com porta de cristal. Sobre estas, a
regular distancias pendiam largos véus que cobriam outros tantos
departamentos que comunicavam com a caverna.
O guia me indicou um dos véus, sobre o qual estava escrito "Sexto Mandamento", e exclamou:
- A transgressão desse Mandamento é a causa da ruína eterna de muitos jovens.
- Mas não se confessaram?
- Sim, confessaram-se, mas os pecados
contra a bela virtude, confessaram-nos mal ou calaram-nos por completo.
Por exemplo, um que havia cometido quatro ou cinco desses pecados,
confessou somente dois ou três. Há quem tenha cometido um só na meninice
e sempre teve vergonha de confessa-lo, ou o confessou mal, ou não disse
tudo. Outros não tiveram arrependimento nem propósito. Mais ainda:
alguns, em vez de examinar sua consciência, estudavam o modo de enganar o
confessor. E o que morre com tal resolução está disposto a ser do
número de condenados, e assim será para toda a eternidade. Só os que,
arrependidos de todo o coração, morrem com a esperança da eterna
salvação, esses serão eternamente felizes. E agora queres ver por que a
misericórdia de Deus te conduziu até aqui?
Levantei o véu e vi um grupo de
meninos do Oratório, todos meu conhecidos, condenados por esse pecado.
Entre eles havia alguns que, na aparência, têm boa conduta.
- Pelo menos agora me deixarás escrever os nomes desses meninos para poder adverti-los em particular.
- Não é preciso - me respondeu.
- Que devo então dizer a eles?
- Prega por toda a parte contra a
impureza. Basta avisa-los em geral, e não te esqueças de que, ainda que
os avises em particular, prometerão, mas nem sempre com firmeza. Para
conseguir isso se requer a graça de Deus, a qual, se pedida, jamais
faltará a teus jovens. O bom Deus manifesta especialmente seu poder em
Se compadecer e perdoar. Oração, pois, e sacrifício de tua parte. Quanto
aos jovens, que ouçam tuas exortações, interroguem suas consciências, e
ela lhes sugerirá o que devem fazer.
Estivemos então conversando cerca de
meia hora sobre as condições necessárias para fazer uma boa confissão.
Depois o guia repetiu várias vezes, erguendo a voz:
- Avertere!... Avertere!...
- Que significa essa exclamação?
- Mudar de vida, mudar de vida!...
Todo confuso por aquela revelação, baixei a cabeça e estava a ponto de me retirar, quando o guia me chamou dizendo:
- Ainda não viste tudo.
E dirigindo-se a outra parte, levantou
outro véu, sobre o qual estava escrito: Qui volunt divites fieri,
incident in tentationem et laqueum diaboli [Os que querem ficar ricos,
caem na tentação e no laço do demônio].
Li e exclamei:
- Isso não diz respeito aos meus
jovens, porque são pobres como eu; não somos ricos nem pretendemos
sê-lo. Nem sequer o imaginamos.
Removido o véu, apareceram no fundo
alguns meninos, todos meus conhecidos, que sofriam como os anteriores,
e, mostrando-os, me disse:
- Acho que é bem a teus meninos que essa inscrição diz respeito!
- Explica-me, pois, o porquê da palavra divites [ricos].
- Por exemplo, alguns dos teus jovens
têm o coração de tal maneira apegado a algum objeto material, que esse
afeto os afasta do amor de Deus, e por isso faltam com caridade, a
piedade, a mansidão. Não somente com o uso das riquezas se perverte o
coração, mas também com o desejo delas, sobretudo se esse desejo ofende a
justiça. Teus jovens são pobres, mas repara que a gula e o ócio são
péssimos conselheiros. Há alguns que em seus lugares de origem se
tornaram culpados de furtos significativos e, podendo, não penso em
restituir. Há quem estuda a maneira de abrir com chaves falsas a
dispensa; quem procura entrar no escritório do prefeito ou do ecônomo da
casa; quem vai remexer as malas dos companheiros para roubar-lhes
comestíveis, dinheiro ou livros para seu uso...
De uns e de outros me disse os nomes, e prosseguiu:
- Alguns se encontram aqui por se
terem apropriado de objetos do vestuário, roupa branca, cobertores e
colchas que pertenciam à rouparia do Oratório, para envia-los a suas
casas. Alguns, por terem causado voluntariamente danos graves e não os
terem reparado. Outros, por não terem devolvido coisas que lhes haviam
sido emprestadas; e alguns por terem retido somas de dinheiro que lhes
haviam sido confiadas para que as entregassem ao superior. E concluiu
dizendo:
- Já que tais pessoas te foram
indicadas, avisa-as; diz-lhes que rejeitem todos os desejos inúteis e
nocivos, que sejam obedientes à lei de Deus e zelosos de sua honra; se
não forem assim, a cobiça os arrastará a excessos piores que os
submergirão nas dores, na morte, na perdição.
Eu não conseguia entender como, para
certas coisas considerdas insignificantes pelos nossos jovens, haviam
sido preparados castigos tão horríveis. Mas o amigo cortou minhas
reflexões, dizendo:
- Recorda o que te foi dito diante do espetáculo dos cachos estragados da videira.
E levantou outro véu, que ocultava
muitos de nossos jovens, os quais logo reconheci, pois estão
presentemente no Oratório. Sobre o véu estava escrito: Radix omnium
malorum [Raiz de todos os males]. E logo me perguntou:
- Sabes o que significa isso? Sabes qual é o pecado indicado por essa epígrafe?
- Parece-me que só pode ser o do orgulho.
- Não - respondeu.
- Mas sempre ouvi dizer que o orgulho é a raiz de todo o pecado.
- Sim, genericamente é; mas, em
concreto, sabes qual foi o pecado que fez cair Adão e Eva no primeiro
pecado, em conseqüência do qual foram expulsos do Paraíso terrestre?
- A desobediência.
- Precisamente; a desobediência é a raiz de todo o mal.
- E que devo dizer a meus jovens sobre esse ponto?
- Presta atenção: os jovens que tu vês
aqui são os desobedientes, que vão preparando para si próprios tão
lamentável fim. Esses tais e outros que tu crês que foram descansar, à
noite descem a passear no pátio; não fazendo caso das proibições, vão a
lugares perigosos, trepam nos andaimes de obras em construção, pondo em
risco até a própria vida. Alguns, apesar das prescrições do regulamento,
na igreja não estão como devem; em vez de rezarem, pensam em coisas
completamente diversas, constroem na sua mente castelos no ar. Outros
perturbam os companheiros. Há os que procuram posturas cômodas e dormem
durante as sagradas funções. Outros, tu crês que vão à igreja e no
entanto não vão. Ai do que descuida a oração! Quem não reza se condena!
Alguns estão aqui porque, em vez de cantar os cânticos sagrados ou o
ofício da Santíssima Virgem, lêem livros que tratam de tudo menos de
religião, e alguns - o que é muito vergonhoso! - chegam a ler livros
proibidos.
E continuou enumerando várias outras
transgressões que são causa de graves desordens. Quando terminou,
comovido olhei o guia na face; ele também me fitou, e eu lhe disse:
- E todas essas coisas, poderei contá-las a meus jovens?
- Sim, podes dizer a todos eles aquilo de que te recordares.
- E que conselho poderei dar-lhes para que não lhes sucedam tão graves desgraças?
- Insistirás demonstrando como a obediência, mesmo nas menores coisas, a Deus, á Igreja, aos pais e aos superiores, os salvará.
- E que mais?
- Dirás a teus jovens que evitem muito
o ócio, porque essa foi a causa do pecado de Davi. Diz-lhes que estejam
sempre ocupados, porque assim o demônio não terá tempo de assalta-los.
Inclinei a cabeça e prometi. Não mais suportando aquele terror, disse o amigo:
- Agradeço-te a caridade que tiveste comigo, mas rogo-te que me faças sair daqui.
- Vem comigo - disse-me então - e,
encorajando-me, tomou-me pela mão e sustentou-me, porque eu me sentia
extenuado e sem forças. Uma vez saídos da sala, atravessamos rapidamente
o horrível pátio e o largo corredor de entrada; antes de atravessar o
umbral da última porta de bronze, mais uma vez voltou-se para mim e
exclamou:
- Agora que viste os tormentos dos outros, é preciso que tu também experimentes um pouco o Inferno.
- Não! Não! - gritei horrorizado.
Ele insistia e eu recusava sempre.
- Não temas - dizia-me - é só para experimentar; toca nessa muralha.
Eu não tinha coragem e queria afastar-me; mas ele me segurou, dizendo-me:
- No entanto, é necessário que experimentes!
E me agarrou resolutamente pelo braço e me levou para junto da muralha, dizendo:
- Toca rapidamente uma vez só, para
que possas dizer que estiveste visitando as muralhas dos suplícios
eternos e as tocaste; e também para que compreendas como será a última
muralha, se a primeira já é tão terrível. Vês esta muralha?
Observei-a com mais atenção; era de colossal espessura. O guia prosseguiu:
- Esta é a milésima parede antes de
chegar ao verdadeiro fogo do inferno. Mil muralhas o rodeiam. Cada uma
delas tem mil medidas de espessura, e essa é a distância entre cada uma
delas; cada medida é de mil milhas; esta muralha dista, pois, um milhão
de milhas do verdadeiro fogo do Inferno e, portanto, é um pequeníssimo
princípio do mesmo Inferno.
Dito isso, e vendo que eu me encolhia
para não tocar a muralha, agarrou minha mão, abriu-a com força e fez com
que eu a encostasse na pedra daquela milésima muralha. Naquele instante
senti uma queimadura tão intensa e dolorosa que, saltando para trás e
dando um fortíssimo grito, acordei.
Encontrei-me sentado na cama, e
sentindo que a mão ardia, esfregava-a na outra mão para fazer cessar
aquela sensação. Quando amanheceu, observei que a mão estava realmente
inchada; e a impressão imaginária daquele fogo foi tão forte que pouco
depois a pele da palma da mão se desprendeu e mudou.
Tende em consideração que não vos
contei estas coisas com todo o seu horror tal como as vi, e com a
impressão que me fizeram, para não vos assustar demais. Sabemos que o
Senhor nunca falou do inferno a não ser por figuras, porque, ainda
quando no-lo houvesse descrito como é, não o teríamos entendido. Nenhum
mortal pode compreender essas coisas. O Senhor as conhece e pode
dize-las a quem quiser.
Várias noites sucessivas tive tal perturbação, que não pude dormir por causa do medo.
Contei-vos brevemente o que vi em
sonhos muito longos; deles não vos fiz senão um breve resumo. Darei mais
tarde instruções sobre o respeito humano, sobre o sexto e o sétimo
Mandamentos, sobre o orgulho. Não farei mais do que explicar esses
sonhos; porque em tudo estão conformes com a Sagrada Escritura; ainda
mais, não são senão um comentário do que se lê sobre o tema na mesma
Escritura.
Nestas noites, já vos contei algumas
coisas, mas quando puder vir falar-vos contar-vos-ei as restantes,
dando- vos as respectivas explicações.
Fonte: www.cot.org.br
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