O CASACO AZUL DE LÃ
Poucas vezes a vi sentada na calçada de minha saudosa casa, na inigualável - e bela - Engenheiro Privat,
em Camocim, à noitinha, como era costume à época, mesmo que para um
dedo de prosa que fosse, nos idos e longínquos dias da minha infância e
mocidade. Quando muito, ficava à porta, protegida do frio, agasalhada por um casaquinho azul, de lã, já meio gasto pelo tempo.
Invariavelmente isto acontecia nas visitas de pessoas mais próximas, mormente a família do Sr. Valmir Pinto Paiva, ferroviário da velha guarda e de boa estirpe, amicíssimo de meu pai, cuja esposa, D. Ilca Girão,
senhora de fino trato, era uma de suas melhores amigas. Nessas
ocasiões, ela se alegrava mais, apesar de a labuta diária constante ser
bastante
cansativa, e permitia-se ficar conversando amenidades, com o distinto
casal, nas inesquecíveis noites de Julho, nas férias escolares,
daqueles imorredouros anos setenta.
Sua
conversa era animada, tecida com agilidade e inteligência, cheia de bom
humor nato, relembrando, certas vezes, fatos pretéritos ocorridos em
Massapê, sua querida terra natal, ou em Santa Cruz, hoje, Reriutaba,
cidade acolhedora e sossegada, situada no sopé da Serra Grande, próxima
à Guaraciaba do Norte, de gente simples e hospitaleira, aonde, segundo
ela própria, viveu os melhores momentos de sua existência.
Muito
embora de aparência frágil, possuía uma tenacidade e determinação
impressionantes para o trabalho. Parecia mesmo não se cansar jamais daquilo que fazia, muito embora, repito,
sua faina diária fosse extremamente estafante. Contudo, nada reclamava.
E o que dizer da sua inabalável fé em Deus que certamente, se preciso
fosse, moveria algumas montanhas?
Pena
que o fardo da vida nunca lhe foi leve! De origem humilde, desde bem
jovem tornou-se também responsável pelo sustento da família.
Posteriormente, ao casar e constituir prole, dedicou-se, de forma
insuperável, aos sete filhos pequenos, devotando-nos, mãe exemplar que
era, todo amor que lhe ia na alma, desvelando-se em cuidados que não
tinham fim com cada um de nós, rebentos de seu coração. Assim, dia
após dia, derramava, no lar, o amor incondicional que supera todo entendimento, fazendo-nos crescer fortes e saudáveis. Tranquila, sábia, generosa, sempre dispunha de uma palavra amiga que nos aliviava as inúmeras dores do mundo.
Tanta bondade semeada! Quanto desvelo! Tamanha dedicação!
Cedo partiu, pois o Pai do Céu a queria logo e permanentemente do seu lado, deixando-nos eternamente órfãos!
Ao relembrar tudo isto, uma saudade aterradora cala fundo dentro de mim – e um enorme rio começa lenta e continuadamente a desaguar dos meus olhos cansados. Como sinto falta, bom Deus, de seu olhar sereno, terno, que nos confortava imediatamente de todo e qualquer padecimento; de sua fala melodiosa, calma, que nos acariciava o mais íntimo de nosso ser; de seus gestos de carinho e de seu sorriso largo, esfuziante, que brilhava mais que o próprio Sol !
Estas lembranças doem demais! Ainda mais que hoje é o Dia das Mães – e estou sozinho!
Sua bênção, Mãezinha querida!(Por ocasião do dia das mães).
AVELAR SANTOS
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