Decisão do juiz de suspender o WhatsApp é inconstitucional", diz advogado da OAB/RS
Marco civil da internet prevê advertência e pagamento de multa, mas não suspensão da atividade
Foto:
Justin Sullivan / AFP
A decisão do juiz Luiz Moura Correia, do Tribunal de Justiça do
Piauí, na região nordeste do país, fez os celulares brasileiros
vibrarem. E não foi porque um novo recado chegou, mas porque o
aplicativo de troca de mensagens WhatsApp pode ser suspenso a qualquer
momento no Brasil.
A ordem judicial que determina a suspensão do serviço saiu no dia 11
de feveireiro, mas diante da negativa do WhatsApp e do silêncio do
Facebook - empresa que detém os direitos do programa -, a decisão foi
ampliada. Em 19 de fevereiro, um ofício do Núcleo de Inteligência da
Secretaria de Segurança Pública do Piauí, assinada pelo delegado Éverton
Ferreira de Almeida Ferrer, comunicou as empresas de telefonia sobre a
decisão de cancelar a operação da empresa no Brasil.
Segundo Miguel Ramos, vice-presidente da comissão de direito da
tecnologia da informação da OAB/RS, a decisão do juiz é inconstitucional
uma vez que ele promove a violação do direito à comunicação.
– Além disso, se o processo correu em segredo de justiça, a ordem
judicial também deveria ter seguido protegida. No entanto, recebi uma
cópia do documento por meio do WhatsApp – explica o jurista.
A delegada Kátia Esteves, responsável pelo setor especializado em
Proteção à Criança e ao Adolescente do Piauí, afirmou, em entrevista
coletiva nesta quarta, que como a empresa não cumpriu a ordem judicial
pode, sim, ter o serviço suspenso. Para Ramos, isso ainda não aconteceu
porque operadoras telefônicas e o próprio WhatsApp devem ter entrado com
recursos que, até serem julgados, impedem a efetivação da ordem
judicial aplicada em Teresina. O segredo que protege judicialmente o
processo inicial se aplica também aos possíveis recursos.
– O que a Justiça não entende é que a Internet tem uma dinâmica
diferente. O WhatsApp mais ainda. Não é a empresa que entrega os dados,
são as pessoas através do serviço que assinam. Por isso, a decisão do
juiz deveria ser de multar a empresa até que entregasse o necessário
para que o processo corresse. Aí, sim, só a empresa pagaria pelo
problema gerado e não toda as pessoas que serão privadas da comunicação.
Tudo começou com uma investigação de crimes de pedofilia e
prostituição em 2013, que corre em segredo de Justiça no Piauí. De
acordo com o Marco Civil da Internet, um serviço como o WhatsApp só pode
ser suspenso se a empresa, mediante ordem judicial, se negar a entregar
dados dos usuários. Em nota, divulgada nesta quinta-feira, o Juiz Luiz
Moura Correia afirmou que a medida extrema foi tomada mediante "o
descumprimento de ordens judiciais" "em diversos procedimentos que
apuram crimes da mais alta gravidade". Correia ainda alegou que o
WhatsApp assumiu uma postura arrogante que se manteve inerte às
solicitações da Justiça Brasileira.
Para a advogada pesquisadora do Instituto de Tecnologia e Sociedade
do Rio de Janeiro (ITSrio), Celina Beatriz, o juiz não agiu de acordo
com o que o Marco Civil da Internet, embora ele sustente isso.
– O código prevê medidas e sansões para casos como esse que podem
fazer com que a empresa ou o aplicativo recebam advertências ou multas. A
suspensão só é prevista se o provedor da aplicação desrespeita o
registro de dados dos usuários – diz.
A responsabilidade do WhatsApp sobre a demanda dos usuários rememora
ao primeiro parágrafo do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que diz
que a ordem judicial que trata da suspensão do serviço não terá validade
se não for específica sobre o conteúdo apontado como infringente.
– O processo pode, claro, correr em segredo de justiça, mas a ordem
judicial deve ser precisa sobre os conteúdos que foram de encontro à
lei. Muitas vezes, uma empresa não tem como cumprir uma ordem porque não
tem como descobrir quem são os usuários que infringiram a lei – explica
Sérgio Amadeu da Silveira, sociólogo e pesquisador da cibercultura.
Silveira compara a determinação do juiz piauiense à decisão da
Justiça no caso Daniela Cicarelli, quando o YouTube foi bloqueado por
não conseguir deter os usuários que multiplicavam os uploads do vídeo em
que a modelo aparece num momento íntimo com o namorado, na Espanha. Na
ocasião, 5,5 milhões de pessoas foram impedidas de acessar o site.
Um por todos e todos por um?
Essa não é a lógica da internet. A rede dá autonomia aos usuários que
escolhem o que ver, por quanto tempo e como vão deixar suas marcas,
construir seus perfis em diferentes canais.
Para Daniel Bittencourt, coordenador do curso de Comunicação Social
da Unisinos, se a determinação judicial for adiante provará a
incapacidade da Justiça compreender como a internet funciona.
_ Suspender o serviço é de uma arbitrariedade sem tamanho. É como
cancelar as ondas eletromagnéticas que permitem uma rádio funcionar
porque um entrevistado disse algo que vai contra as leis do país. O
WhatsApp conecta pessoas, mas são os usuários que produzem os conteúdos.
O crime das pessoas que estão sendo investigados não pode ser
minimizado ou deixado em segundo plano, de acordo com Bittencourt, mas
se ordem for cumprida cerca de 38 milhões de brasileiros que usam o
serviço serão penalizados.
ZERO HORA
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