Almas traidoras submersas no Lago Cócito (Antenora). Ilustração de Gustave Doré (séc XIX). |
- Por que me atropelas? - gritou a alma em pranto. - Se não vens para acrescer à vingança de Montaperti, porque me molestas?
Voltei-me ao mestre e solicitei que parássemos pois eu suspeitava que conhecia aquela alma desgraçada, que ainda gritava e nos insultava. Virgílio parou e eu fui até ela.
- Quem és tu que assim insultas os outros? - perguntei.
- E tu? Quem és tu que vais pela Antenora chutando os outros na cara como se fosses vivo? - perguntou-me a alma.
- Vivo eu sou! - respondi -, e poderei servi-lo na busca de tua fama, se eu puder acrescentar teu nome às minhas notas.
- Essa é a última coisa que eu desejaria! - respondeu - Vai-te embora daqui, vai! Não é assim que se consegue as coisas nesta lama.
Com isto eu agarrei o desgraçado pelos cabelos e disse:
- É bom que digas logo o teu nome, ou não te sobrará um fio de cabelo sequer!
- Não! - o espírito respondeu - Eu não digo de jeito nenhum! Tu podes arrancar todos os meus cabelos, podes me pelar mil vezes se quiseres mas nunca, nunca ouvirás de mim o meu nome.
Eu já tinha arrancado um feixe dos seus cabelos quando um outro gritou:
- O que é que tu tens Bocca? Já não basta agüentar o ruído do teu queixo que bate sem parar? Por que não te calas?
- Ora, ora - disse eu - não é preciso mais que fales, maldito traidor. Bem que eu desconfiei. Não te preocupes que eu levarei ao mundo a verdade sobre ti.
- Vai embora - respondeu - e conta o que quiseres! Mas se saíres daqui, não deixes de falar também desse traidor aí que me delatou. Ele é Buoso de Duera que aqui paga pela prata dos franceses. Se te perguntarem quem mais havia neste poço, este que vês aí do teu lado é o Beccheria. E, se procurares um pouco, aqui também encontrarás Gianni de' Soldanieri junto com Ganellone e Tebaldello.
Pouco depois que deixamos Bocca vi dois espíritos congelados juntos num mesmo fosso. Um deles mordia a nuca do outro ferozmente como se estivesse faminto.
- Ó tu que mostras com cada mordida o ódio que sentes por essa cabeça que devoras, dize-me - pedi -, dize-me a razão pela qual ages assim. Se a tua razão for justa, sabendo quem sois vós e o pecado desse outro, prometo que no mundo acima retribuirei tua confiança, ou que minha língua fique seca para sempre.FONTE:STELLE.COM
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