Qual não deve ser o desespero destes
desgraçados sem a menor esperança de sair daqui! - Exclamei. - Queres
conhecer as inquietações e os furores das almas deles? Aproxima-te um
pouco mais - Respondeu o guia.
Dei alguns passos para a janela, e vi
que muitos daqueles miseráveis se golpeava e feriam uns aos outros e se
mordiam como cães raivosos; outros se arranhavam o rosto, se laceravam
as mãos, despedaçavam as próprias carnes e as atiravam pelo ar com
desprezo. De repente, o teto da caverna se tornou transparente, como de
cristal, e através dele se via um pedaço do céu e as radiantes figuras
de seus companheiros para sempre salvos.
Os condenados bramiam com feroz
inveja, porque os justos haviam sido olhados por ele, em certo tempo,
como objeto de irrisão. Peccator videbit et irascetur; dentibus suis
fremet et tabescet [O pecador verá e se encolerizará a seus dentes
rangerão].
- Diz-me - Perguntei a meu guia - Como é que não se ouve nenhuma voz?
- Aproxima-te ainda mais - me gritou.
Aproximei-me do cristal da janela e
ouvi que uns rugiam e choravam contorcendo-se; outros blasfemavam e
imprecavam os santos. Aquilo tudo era um caos de vozes e gritos autos e
confusos, pelo que perguntei ao meu amigo:
Que dizem eles? Que estão gritando?
- Recordando a sorte de seus
companheiros bons, vêem-se obrigados a confessar: Nos insensati! Vitam
illorum aestimabamus insaniam et finem illorum sine honoré [Nós,
insensatos considerávamos uma loucura a vida que levavam, e seu fim sem
honra]. Ecce quomodo computati sunt inter filios Dei et inter sanctos
sors illorum est. Ergo erravimus a via veritatis [Eis que foram contados
no numero dos filhos de Deus e sua sorte juntamente com a dos santos.
Nós nos afastamos, pois, do caminho da verdade].
Por isso gritam: Lasati sumus in via
iniquitatis et perditionis. Erravimus per vias difficiles, viam autem
Domini ignoravimus [Corremos pelo caminho da iniqüidade e da perdição.
Perdemo-nos por caminhos difíceis e não conhecemos o caminho do Senhor].
Quid nobis profuit superbia? [De que nos serviu nosso orgulho?]
Transierunt omnia illa tanquam umbra [Tudo passou como uma sombra].
Estes são os lúgubres cantos que ali
ressoarão por toda a eternidade. Mas inúteis gritos, inúteis esforços,
inútil pranto! Omnis dolor irruet super eos! [Toda a dor cairá sobre
eles]. Aqui já não há tempo, há só eternidade.
Enquanto contemplava, cheio de horror, o estado de muitos de meus jovens, assaltou-me imprevistamente uma idéia:
- Mas como é possível que os que se
encontram aqui estejam todos condenados? Estes jovens estavam ontem à
tarde vivos no Oratório.
O amigo me disse: - Os que aqui vês
vivem, mas estão mortos para a graça de Deus, e se morressem agora ou
continuassem procedendo como no presente, se condenariam. Mas não
percamos tempo; sigamos adiante.
E me afastou daquele lugar, e por um
corredor que baixava a um profundo subterrâneo me conduziu a outro em
cuja entrada estava escrito:
Vermis eorum non moritur, et ignis non
extinguitur... Dabit Dominus omnipotens ignem et vermes in carnes
eorum, ut urantur et sentiant usque in sempiternum (Judite 16, 21) [ Seu
verme não morrerá e o fogo não se extinguirá... O Senhor onipotente
dará fogo e vermes a suas carnes para que ardam e sofram eternamente].
Ali se contemplava o espetáculo dos atrozes remorsos dos que foram educados em nossas casas.
A recordação de todos e de cada um dos
pecados não perdoados e sua justa condenação! A de terem tido mil
remédios até mesmo extraordinários para se converterem ao Senhor, para
serem perseverantes no bem, para ganharem o paraíso! A recordação de
tantas graças prometidas, oferecidas e dadas por Maria Santíssima e não
correspondidas! Terem podido se salvar com tão pouco esforço e
perderem-se irremissivelmente para sempre! Lembrarem de tantos bons
propósitos feitos e não compridos! Ah! Bem diz o provérbio que o inferno
está cheia de boas intenções não realizadas!
Ali voltei a ver todos os jovens do
oratório que havia visto pouco antes naquele forno (Alguns dos quais me
estão ouvindo neste momento; outros já estiveram conosco, outros eu não
conhecia). Aproximei-me e observei que todos estavam cheios de vermes e
animais asquerosos que lhes roíam e consumiam o coração, os olhos, as
mãos, as pernas, os braços, de maneira tão miserável que nem sei
exprimir com palavras. Estavam imóveis, expostos a toda espécie de
moléstias, e não podiam defender-se de modo algum. SONHO DE S.DOM BOSCO
Nenhum comentário:
Postar um comentário
EXPRESSE O SEU PENSAMENTO AQUI.