CAMOCIM CEARÁ

Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra; Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos; Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia; Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus; Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus; Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa.(Mt.5)

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Tempo Perdido, Pais e Filhos, Faroeste Caboclo, Eduardo e Mônica, Será, Quase Sem Querer ,Índios Vento No Litoral, Ainda É Cedo, Monte Castelo....

 


Sexo verbal não faz meu estilo

Palavras são erros e os erros são seus

Não quero lembrar que eu erro também


Um dia pretendo tentar descobrir

Por que é mais forte quem sabe mentir

Não quero lembrar que eu minto também


Eu sei

Eu sei


Feche a porta do seu quarto

Porque se toca o telefone, pode ser alguém

Com quem você quer falar por horas e horas e horas


A noite acabou, talvez tenhamos que fugir sem você


Mas não, não vá agora, quero honras e promessas

Lembranças e histórias

Somos pássaro novo longe do ninho


Eu sei

Eu sei

Ainda que eu falasse

A língua dos homens

E falasse a língua dos anjos

Sem amor eu nada seria


É só o amor! É só o amor

Que conhece o que é verdade

O amor é bom, não quer o mal

Não sente inveja ou se envaidece


O amor é o fogo que arde sem se ver

É ferida que dói e não se sente

É um contentamento descontente

É dor que desatina sem doer


Ainda que eu falasse

A língua dos homens

E falasse a língua dos anjos

Sem amor eu nada seria


É um não querer mais que bem querer

É solitário andar por entre a gente

É um não contentar-se de contente

É cuidar que se ganha em se perder


É um estar-se preso por vontade

É servir a quem vence, o vencedor

É um ter com quem nos mata a lealdade

Tão contrário a si é o mesmo amor


Estou acordado e todos dormem

Todos dormem, todos dormem

Agora vejo em parte

Mas então veremos face a face


É só o amor! É só o amor

Que conhece o que é verdade


Ainda que eu falasse

A língua dos homens

E falasse a língua dos anjos

Sem amor eu nada seria

Uma menina me ensinou

Quase tudo que eu sei

Era quase escravidão

Mas ela me tratava como um rei


Ela fazia muitos planos

Eu só queria estar ali

Sempre ao lado dela

Eu não tinha aonde ir


Mas egoísta que eu sou

Me esqueci de ajudar

A ela como ela me ajudou

E não quis me separar


Ela também estava perdida

E por isso se agarrava a mim também

E eu me agarrava a ela

Porque eu não tinha mais ninguém


E eu dizia: Ainda é cedo

Cedo, cedo, cedo, cedo

E eu dizia: Ainda é cedo

Cedo, cedo, cedo, cedo

Ah, eu dizia: Ainda é cedo

Cedo, cedo, cedo, cedo

Ah, eu dizia: Ainda é cedo


Sei que ela terminou

O que eu não comecei

E o que ela descobriu

Eu aprendi também, eu sei


Ela falou: Você tem medo

Aí eu disse: Quem tem medo é você

Falamos o que não devia

Nunca ser dito por ninguém


Ela me disse: Eu não sei

Mais o que eu sinto por você

Vamos dar um tempo

Um dia a gente se vê


E eu dizia: Ainda é cedo

Cedo, cedo, cedo, cedo

E eu dizia: Ainda é cedo

Cedo, cedo, cedo, cedo

Ah, eu dizia: Ainda é cedo

Cedo, cedo, cedo, cedo

Ah, eu dizia: Ainda é cedo

Tenho andado distraído

Impaciente e indeciso

E ainda estou confuso, só que agora é diferente

Estou tão tranquilo e tão contente


Quantas chances desperdicei

Quando o que eu mais queria

Era provar pra todo o mundo

Que eu não precisava provar nada pra ninguém


Me fiz em mil pedaços pra você juntar

E queria sempre achar explicação pro que eu sentia

Como um anjo caído, fiz questão de esquecer

Que mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira


Mas não sou mais tão criança

Oh, oh

A ponto de saber tudo


Já não me preocupo se eu não sei por que

Às vezes, o que eu vejo, quase ninguém vê

E eu sei que você sabe quase sem querer

Que eu vejo o mesmo que você


Tão correto e tão bonito

O infinito é realmente um dos deuses mais lindos

Sei que às vezes uso palavras repetidas

Mas quais são as palavras que nunca são ditas?


Me disseram que você

Estava chorando

E foi então que eu percebi

Como lhe quero tanto


Já não me preocupo se eu não sei por que

Às vezes, o que eu vejo, quase ninguém vê

E eu sei que você sabe quase sem querer

Que eu quero o mesmo que você

Quem um dia irá dizer

Que não existe razão

Nas coisas feitas pelo coração?

E quem irá dizer

Que não existe razão?


Eduardo abriu os olhos, mas não quis se levantar

Ficou deitado e viu que horas eram

Enquanto Mônica tomava um conhaque

No outro canto da cidade, como eles disseram


Eduardo e Mônica um dia se encontraram sem querer

E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer

Um carinha do cursinho do Eduardo que disse

Tem uma festa legal, e a gente quer se divertir


Festa estranha, com gente esquisita

Eu não tô legal, não aguento mais birita

E a Mônica riu, e quis saber um pouco mais

Sobre o boyzinho que tentava impressionar

E o Eduardo, meio tonto, só pensava em ir pra casa

É quase duas, eu vou me ferrar


Eduardo e Mônica trocaram telefone

Depois telefonaram e decidiram se encontrar

O Eduardo sugeriu uma lanchonete

Mas a Mônica queria ver o filme do Godard


Se encontraram, então, no Parque da Cidade

A Mônica de moto e o Eduardo de camelo

O Eduardo achou estranho e melhor não comentar

Mas a menina tinha tinta no cabelo


Eduardo e Mônica eram nada parecidos

Ela era de Leão e ele tinha dezesseis

Ela fazia Medicina e falava alemão

E ele ainda nas aulinhas de inglês


Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus

Van Gogh e dos Mutantes, de Caetano e de Rimbaud

E o Eduardo gostava de novela

E jogava futebol de botão com seu avô


Ela falava coisas sobre o Planalto Central

Também magia e meditação

E o Eduardo ainda tava no esquema

Escola, cinema, clube, televisão


E mesmo com tudo diferente, veio mesmo, de repente

Uma vontade de se ver

E os dois se encontravam todo dia

E a vontade crescia, como tinha de ser


Eduardo e Mônica fizeram natação, fotografia

Teatro, artesanato, e foram viajar

A Mônica explicava pro Eduardo

Coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar


Ele aprendeu a beber, deixou o cabelo crescer

E decidiu trabalhar (não!)

E ela se formou no mesmo mês

Que ele passou no vestibular


E os dois comemoraram juntos

E também brigaram juntos muitas vezes depois

E todo mundo diz que ele completa ela

E vice-versa, que nem feijão com arroz


Construíram uma casa há uns dois anos atrás

Mais ou menos quando os gêmeos vieram

Batalharam grana, seguraram legal

A barra mais pesada que tiveram


Eduardo e Mônica voltaram pra Brasília

E a nossa amizade dá saudade no verão

Só que nessas férias, não vão viajar

Porque o filhinho do Eduardo tá de recuperação


E quem um dia irá dizer

Que existe razão

Nas coisas feitas pelo coração?

E quem irá dizer

Que não existe razão?

Todos os dias quando acordo

Não tenho mais o tempo que passou

Mas tenho muito tempo

Temos todo tempo do mundo


Todos os dias, antes de dormir

Lembro e esqueço como foi o dia

Sempre em frente

Não temos tempo a perder


Nosso suor sagrado

É bem mais belo que esse sangue amargo

E tão sério


E selvagem

Selvagem

Selvagem


Veja o Sol dessa manhã tão cinza

A tempestade que chega é da cor dos teus olhos

Castanhos


Então me abraça forte

Me diz mais uma vez que já estamos

Distantes de tudo


Temos nosso próprio tempo

Temos nosso próprio tempo

Temos nosso próprio tempo


Não tenho medo do escuro

Mas deixe as luzes acesas

Agora


O que foi escondido é o que se escondeu

E o que foi prometido ninguém prometeu

Nem foi tempo perdido


Somos tão jovens

Tão jovens

Tão jovens

Não tinha medo o tal João de Santo Cristo

Era o que todos diziam quando ele se perdeu

Deixou pra trás todo o marasmo da fazenda

Só pra sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu

Quando criança, só pensava em ser bandido

Ainda mais quando com um tiro de soldado o pai morreu

Era o terror da sertania onde morava

E na escola até o professor com ele aprendeu


Ia pra igreja só pra roubar o dinheiro

Que as velhinhas colocavam na caixinha do altar

Sentia mesmo que era mesmo diferente

Sentia que aquilo ali não era o seu lugar

Ele queria sair para ver o mar

E as coisas que ele via na televisão

Juntou dinheiro para poder viajar

De escolha própria, escolheu a solidão


Comia todas as menininhas da cidade

De tanto brincar de médico, aos doze, era professor

Aos quinze, foi mandado pro reformatório

Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror

Não entendia como a vida funcionava

Discriminação por causa da sua classe e sua cor

Ficou cansado de tentar achar resposta

E comprou uma passagem, foi direto a Salvador


E lá chegando, foi tomar um cafezinho

E encontrou um boiadeiro com quem foi falar

E o boiadeiro tinha uma passagem e ia perder a viagem

Mas João foi lhe salvar

Dizia ele: Estou indo pra Brasília

Neste país lugar melhor não há

Tô precisando visitar a minha filha

Eu fico aqui e você vai no meu lugar


E João aceitou sua proposta

E num ônibus entrou no Planalto Central

Ele ficou bestificado com a cidade

Saindo da rodoviária, viu as luzes de Natal

Meu Deus, mas que cidade linda

No Ano Novo eu começo a trabalhar

Cortar madeira, aprendiz de carpinteiro

Ganhava cem mil por mês em Taguatinga


Na sexta-feira, ia pra zona da cidade

Gastar todo o seu dinheiro de rapaz trabalhador

E conhecia muita gente interessante

Até um neto bastardo do seu bisavô

Um peruano que vivia na Bolívia

E muitas coisas trazia de lá

Seu nome era Pablo e ele dizia

Que um negócio ele ia começar


E Santo Cristo até a morte trabalhava

Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar

E ouvia às sete horas o noticiário

Que sempre dizia que o seu ministro ia ajudar

Mas ele não queria mais conversa

E decidiu que, como Pablo, ele iria se virar

Elaborou mais uma vez seu plano santo

E, sem ser crucificado, a plantação foi começar


Logo, logo os malucos da cidade souberam da novidade

Tem bagulho bom aí

E João de Santo Cristo ficou rico

E acabou com todos os traficantes dali

Fez amigos, frequentava a Asa Norte

E ia pra festa de rock pra se libertar


Mas de repente, sob uma má influência

Dos boyzinhos da cidade, começou a roubar

Já no primeiro roubo ele dançou

E pro inferno ele foi pela primeira vez

Violência e estupro do seu corpo

Vocês vão ver, eu vou pegar vocês


Agora o Santo Cristo era bandido

Destemido e temido no Distrito Federal

Não tinha nenhum medo de polícia

Capitão ou traficante, playboy ou general

Foi quando conheceu uma menina

E de todos os seus pecados ele se arrependeu

Maria Lúcia era uma menina linda

E o coração dele pra ela o Santo Cristo prometeu


Ele dizia que queria se casar

E carpinteiro ele voltou a ser

Maria Lúcia, pra sempre vou te amar

E um filho com você eu quero ter


O tempo passa e um dia vem na porta

Um senhor de alta classe com dinheiro na mão

E ele faz uma proposta indecorosa

E diz que espera uma resposta

Uma resposta do João

Não boto bomba em banca de jornal

Nem em colégio de criança, isso eu não faço, não

E não protejo general de dez estrelas

Que fica atrás da mesa com o cu na mão

E é melhor o senhor sair da minha casa

Nunca brinque com um Peixes de ascendente Escorpião

Mas antes de sair, com ódio no olhar, o velho disse

Você perdeu sua vida, meu irmão


Você perdeu a sua vida, meu irmão

Você perdeu a sua vida, meu irmão

Essas palavras vão entrar no coração

Eu vou sofrer as consequências como um cão


Não é que o Santo Cristo estava certo?

Seu futuro era incerto e ele não foi trabalhar

Se embebedou e no meio da bebedeira

Descobriu que tinha outro trabalhando em seu lugar

Falou com Pablo que queria um parceiro

E também tinha dinheiro e queria se armar

Pablo trazia o contrabando da Bolívia

E Santo Cristo revendia em Planaltina


Mas acontece que um tal de Jeremias

Traficante de renome, apareceu por lá

Ficou sabendo dos planos de Santo Cristo

E decidiu que com João ele ia acabar

Mas Pablo trouxe uma Winchester 22

E Santo Cristo já sabia atirar

E decidiu usar a arma só depois

Que Jeremias começasse a brigar


Jeremias, maconheiro sem-vergonha

Organizou a Rockonha e fez todo mundo dançar

Desvirginava mocinhas inocentes

Se dizia que era crente, mas não sabia rezar

E Santo Cristo há muito não ia pra casa

E a saudade começou a apertar

Eu vou-me embora, eu vou ver Maria Lúcia

Já tá em tempo de a gente se casar


Chegando em casa, então, ele chorou

E pro inferno ele foi pela segunda vez

Com Maria Lúcia, Jeremias se casou

E um filho nela ele fez


Santo Cristo era só ódio por dentro

E então o Jeremias pra um duelo ele chamou

Amanhã, às duas horas, na Ceilândia

Em frente ao lote catorze, e é pra lá que eu vou

E você pode escolher as suas armas

Que eu acabo mesmo com você, seu porco traidor

E mato também Maria Lúcia

Aquela menina falsa pra quem jurei o meu amor


E o Santo Cristo não sabia o que fazer

Quando viu o repórter da televisão

Que deu notícia do duelo na TV

Dizendo a hora, e o local e a razão


No sábado, então, às duas horas

Todo o povo, sem demora, foi lá só para assistir

Um homem que atirava pelas costas

E acertou o Santo Cristo e começou a sorrir

Sentindo o sangue na garganta

João olhou pras bandeirinhas e pro povo a aplaudir

E olhou pro sorveteiro e pras câmeras

E a gente da TV que filmava tudo ali


E se lembrou de quando era uma criança

E de tudo o que vivera até ali

E decidiu entrar de vez naquela dança

Se a Via-Crúcis virou circo, estou aqui


E nisso, o Sol cegou seus olhos

E então Maria Lúcia ele reconheceu

Ela trazia a Winchester 22

A arma que seu primo Pablo lhe deu


Jeremias, eu sou homem, coisa que você não é

E não atiro pelas costas, não

Olha pra cá, filha da puta sem-vergonha

Dá uma olhada no meu sangue e vem sentir o teu perdão

E Santo Cristo, com a Winchester 22

Deu cinco tiros no bandido traidor

Maria Lúcia se arrependeu depois

E morreu junto com João, seu protetor


O povo declarava que João de Santo Cristo

Era santo porque sabia morrer

E a alta burguesia da cidade

Não acreditou na história que eles viram na TV

E João não conseguiu o que queria

Quando veio pra Brasília com o diabo ter

Ele queria era falar pro presidente

Pra ajudar toda essa gente que só faz


Sofrer



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