CAMOCIM CEARÁ

Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra; Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos; Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia; Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus; Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus; Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa.(Mt.5)

domingo, 28 de janeiro de 2024

AULA 14 - Cada um no seu quadrado”: a separação de poderes

 


Transcrição Episódio 5: – “Cada um no seu quadrado”: a separação de poderes

F: Olá, eu sou a F N e este é o podcast Legislativo – “Que poder é esse?”. Uma produção da Rádio Senado. Se você está acompanhando o nosso podcast desde o início, já conhece alguns princípios do processo legislativo. Em cada episódio, o consultor do Senado Federal, João Trindade Cavalcante Filho, nos explica o funcionamento do parlamento e nos traz exemplos para que a gente entenda com base no que acontece no dia a dia, os princípios que estão na Constituição. Hoje nós vamos falar sobre os três poderes e o papel e o limite de cada um deles. Vamos lá? F: Hoje, João, nós vamos falar então do princípio, mais um princípio, do processo legislativo. Vamos falar hoje sobre a separação dos poderes, né? A gente tem os três poderes, né. Tem até a Praça dos Três Poderes, um lugar muito bonito aqui em Brasília… e as pessoas até sabem, né? Quais são esses poderes… mas às vezes não fica muito clara essa separação dos poderes, os limites e as atribuições de cada um deles. Então eu acho que a gente podia começar falando sobre esses três poderes. Quais são os poderes? J: Bom Fernanda, é bem interessante, inclusive, que você comece o nosso podcast por esse tema, porque realmente o princípio da separação dos poderes é um princípio que afeta ao Direito Constitucional geral, a Ciência Política em geral, e aplicável ao processo legislativo mais especificamente. Então quer dizer, é bem conveniente que a gente comece vendo primeiro essa aplicação do princípio da separação de poderes ao Direito Constitucional para depois a gente entrar na parte específica das consequências que ele tem no âmbito do processo legislativo. Esse princípio ele vem lá, ele foi popularizado lá na obra de Montesquieu, "O Espírito das Leis", quando lá no capítulo 6º do livro 11, Montesquieu falava, comentando sobre a constituição da Inglaterra, ele dizia que uma das grandes vantagens da constituição inglesa era exatamente dividir as funções, dividir os poderes entre os vários entes do poder, entre os vários entes da Inglaterra. Então havia, por exemplo, uma divisão de prerrogativas e de poderes entre o monarca, a Câmara Alta, a Câmara Baixa e essa ideia basicamente parte então da noção de que é preciso dividir para limitar. Quer dizer, essa é a máxima da separação de poderes, é dividir para limitar. Quer dizer, você divide o poder para evitar o abuso e o arbítrio. Na contemporaneidade, à luz da Constituição brasileira atual, a gente fala que os três poderes são o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. E ao contrário do que muita gente pensa, esse princípio da independência e harmonia entre os poderes, que está lá no artigo segundo da Constituição Federal, ele não significa em absoluto que não haja tensões entre os poderes, que não haja, vamos dizer no popular, que não haja briga entre os poderes. Ao contrário, as disputas entre os poderes são características do sistema de divisão de poderes. Você divide o poder exatamente para limitar o poder, exatamente para que um poder coloque um freio, coloque um limite à atuação do outro. Então, no caso brasileiro, você tem a necessidade de que esses poderes atuem de forma harmônica, de forma, vamos dizer assim, com o mesmo objetivo para que o Estado, o poder público, atue. Então a gente pode dizer que ação do poder público no Brasil ela acontece quando há convergência de objetivos entre o Poder Executivo, que na esfera federal é exercido pelo Presidente da República com auxílio dos ministros do Estado; pelo Poder Legislativo, que na esfera federal é exercido pelo Congresso Nacional que se compõe de Câmara e Senado; e também pelo Poder Judiciário, cujo o órgão principal é o Supremo Tribunal Federal. E dentro desse esquema de separação de poderes aí é que entra a importância mais direta desse princípio para o processo legislativo. Dentro desse esquema de separação de poderes, a tarefa de legislar, a tarefa de ditar as regras para a sociedade é majoritariamente, não unicamente, mas majoritariamente, prioritariamente colocada nas mãos do Poder Legislativo. O Poder Judiciário também legisla? Em algumas situações excepcionais, sim. O Poder Executivo também legisla? Em algumas situações excepcionais, também sim, mas a tarefa de legislar é ordinariamente atribuída ao Poder Legislativo. E é claro que isso daí vai influenciar decisivamente o nosso modo de fazer as leis, o nosso processo legislativo. F: Você fala aí dessas exceções, né. Que o Judiciário em algumas situações pode legislar… o Executivo, também. Quais seriam essas exceções e como que funciona? Assim, eu imagino que… estamos falando dos três poderes, eles têm essa separação, e um atuando para fiscalizar ou para julgar o outro… então assim, eu queria que a gente falasse um pouco sobre essas exceções. Como é o processo, vamos dizer assim, o processo legislativo Judiciário. Como é que o Judiciário legisla? J: Bom, essa é a questão principal. Quer dizer, já que é excepcionalmente possibilitado ao Judiciário legislar e ao Executivo legislar, a gente tem que saber exatamente quais são essas exceções, que bases excepcionais são essas. E o Poder Judiciário, ele legisla do ponto de vista material, do ponto de vista do conteúdo. Ele não vai fazer uma lei propriamente dita, mas ele vai fazer um ato que tem força de lei ou que tem conteúdo semelhante ao de uma lei. Quer dizer, um ato geral e abstrato que se aplica a pessoas indeterminadas e a situações genéricas. Por exemplo, quando o Poder Judiciário elabora seu regimento interno, cada tribunal no Brasil tem a prerrogativa de editar uma resolução, instituindo o seu regimento interno. As regras sobre como cada processo anda em cada tribunal, as regras específicas, são dadas pelos próprios tribunais no seu regimento interno. Existe uma lei geral que é o Código de Processo Civil, votada pelo Congresso Nacional, mas respeitada a lei processual, a Constituição diz lá no artigo 96, inciso primeiro, que cada tribunal vai ditar as regras específicas sobre a tramitação dos seus processos ao editar o seu regimento interno. Quando o Judiciário está editando o seu regimento interno, ele está de maneira atípica, de maneira imprópria mas constitucionalmente autorizado, ele está legislando. Também existem algumas situações em que do ponto de vista material, o Judiciário se aproxima de uma função de legislar. Por exemplo, quando ele decide um mandado de injunção. O mandado de injunção está lá no artigo 5º, inciso 71 da Constituição Federal, ele é uma ação por meio da qual alguém leva ao Judiciário a reclamação de que não está podendo exercer um direito fundamental, pelo fato de não haver regra que regulamenta aquele direito fundamental. Então você diz “olha, eu tenho um direito fundamental garantido na Constituição, mas eu estou sem conseguir exercer esse direito fundamental pela falta de uma lei, pela falta de uma regulamentação, pela falta de uma regra”. E aí o Judiciário, excepcionalmente, extraordinariamente, pode dar uma regra transitória, pode dizer “olha, nesse caso, enquanto não for feita a lei pelo Congresso Nacional, ou pela Assembleia Legislativa ou pela Câmara Municipal, conforme se trata de uma lei federal, estadual ou municipal que está faltando… então, enquanto a lei não for feita, você cidadão, vai poder exercer o seu direito com base na regra X." O judiciário, ele faz isso por meio de uma decisão judicial, de um acórdão, mas do ponto de vista material, do ponto de vista do conteúdo, ele também está se aproximando de uma função legislativa. F: Em 2016 foi sancionada a lei que normatizou o mandado de injunção. Eu separei aqui uma matéria da Rádio Senado, da época em que o projeto que deu origem à lei foi aprovado no Congresso Nacional. LOC: “O mandado de injunção é feito para garantir o direito de quem se sente prejudicado pela omissão diante da falta de regulamentação de uma norma constitucional. O Poder Judiciário cobra do órgão competente, seja o Poder Executivo ou Legislativo, a elaboração de uma lei para preencher a lacuna que existe na Constituição. Um exemplo clássico é o direito de greve para os servidores públicos. Como a regra nunca foi regulamentada, o Supremo Tribunal Federal, em 2007, decidiu que até a edição de uma legislação específica sobre o assunto, deveria ser aplicada aos servidores públicos a mesma lei que rege a greve na iniciativa privada. O projeto de lei aprovado pelo Senado determina que o mandado de injunção pode ser individual ou coletivo e apresentado por pessoa física ou jurídica. No caso de mandados coletivos poderão entrar com ação o Ministério Público, a Defensoria Pública, partidos políticos com representação no Congresso Nacional e Organizações Sindicais.” J: E finalmente o Poder Executivo, ele também legisla, e aí legisla no sentido próprio da palavra mesmo… ele edita um ato legislativo quando ele edita as medidas provisórias. As medidas provisórias que estão lá no artigo 62 da Constituição Federal, que vieram por inspiração do direito italiano lá no artigo 77 da Constituição Italiana, as medidas provisórias que são atos editados pelo Presidente da República com força de lei, quer dizer, valem como se fossem lei antes mesmo de serem apreciadas pelo Congresso Nacional, mas que dependem da aprovação do Congresso Nacional para se tornarem lei, para se transformar em uma lei em definitivo. Então quando o Presidente da República edita a medida provisória, ele está de maneira atípica, porque não é a função primordial dele, ele está de maneira atípica, de maneira excepcional, ele está também legislando, ele está também exercendo a função legislativa. O que é interessante, Fernanda, é que a gente perceba que mesmo que os outros poderes, e notadamente aqui o Poder Executivo, possam legislar, isso nunca é a regra geral, isso é sempre a exceção. Por isso que, por exemplo, a Constituição diz que tem uma lista de matérias sobre as quais a medida provisória não pode tratar. Também, a medida provisória está sujeita a um prazo, se ela não for votada dentro um determinado prazo, ela é considerada rejeitada, ela morre. E também, além disso, o presidente só pode editar medida provisória se estiverem presentes os requisitos de relevância e urgência, e você percebe que ao mesmo tempo em que a Constituição permite que o Executivo legisle, também ela diz “olha, isso daqui não é a regra geral. Isso daqui é uma situação de exceção”. F: Uma situação de exceção e temporária, né? Qual é o prazo que ela tem de validade? J: A Constituição prevê o prazo de 60 dias prorrogáveis uma única vez por mais 60. Tudo bem que esse período fica congelado em caso de recesso do Congresso Nacional. Quer dizer, a medida provisória fica valendo, mas nos períodos de recesso, esse prazo é suspenso, esse prazo tem a sua contagem suspensa. Mas aí se você olhar, então, em não havendo interrupções, você vai ter, então, nesse prazo de 120 dias de vigência da medida provisória. A medida provisória, ela ou vai ser aprovada pelo Congresso e vai se transformar numa lei, vai deixar de ser uma medida provisória e vai virar uma lei em caráter definitivo, ou ela vai ser rejeitada pelo Congresso. Se ela não for votada, não for apreciada nesta janela, ela é considerada rejeitada. A medida provisória, enquanto medida provisória, vai morrer ou porque vai deixar de existir simplesmente ou então porque vai ser convertida numa lei. LOC: “O plenário aprovou nesta terça-feira a medida provisória que facilita a compra de vacinas contra a covid-19. O texto, já aprovado pela Câmara dos Deputados, dispensa a licitação e estabelece regras mais flexíveis para a aquisição de insumos e serviços necessários à imunização. A medida provisória determina que a aplicação de vacinas deve seguir o Plano Nacional de Imunização do Ministério da Saúde e autoriza estados e municípios [...]” LOC: “O plenário do Senado aprovou o programa de subvenção ao diesel que autoriza o governo a bancar 30 centavos no preço do combustível. A medida provisória 838 foi editada para acabar com a greve dos caminhoneiros que paralisou o país em maio. Durante a votação na Câmara, os deputados restringiram o incentivo ao [...]” LOC: “O presidente Jair Bolsonaro editou, no início de setembro, a medida provisória número 1000 (mil). Esse número representativo é contado a partir de 2001, mas as medidas provisórias existem desde 1988. As MPs, como são conhecidas, são geralmente vistas por dois aspectos. Podem permitir ações urgentes e necessárias, mas também são criticadas por dar ao Poder Executivo a prerrogativa de [...]” F: Bom, a gente tem aqui também, João, propostas, projetos que são de iniciativa dos outros poderes, né? Então, por exemplo, projetos que são de iniciativa do Poder Judiciário, do Poder Executivo, mas esses projetos, mesmo eles tramitando no Congresso Nacional, eles têm uns limites, não têm? Como é que funciona com relação ao aumento de despesas? Têm algumas coisas que a Constituição prevê levando em consideração essa separação dos poderes, não têm? J: Pois é, a gente até aqui toca nas duas outras consequências, Fernanda, do princípio da separação de poderes. A gente fala em três consequências do princípio da separação de poderes, mais diretamente para o processo legislativo. A primeira foi aquela que a gente já citou, a excepcionalidade de qualquer legislação emanada do Poder Executivo, quer dizer, o Executivo pode legislar, mas é em algumas situações excepcionais em bases excepcionais. E as outras duas consequências são exatamente essas duas que você cita. Primeiro, a existência de hipóteses de iniciativa privativa de outros poderes, quer dizer, a existência de determinados projetos de lei que um deputado ou senador não pode propor, que só pode ser debatido se vier por provocação de outros poderes. Por exemplo: aumento de salário para os servidores do Poder Executivo. Não tenha dúvida que se um deputado ou senador pudesse propor aumento para os servidores do Poder Executivo ia haver uma miríade de projetos para dar aumento pra tudo quanto era carreira do funcionalismo. E aí é considerado uma conduta, essa, perigosa, porque o Congresso estaria, me perdoe ser mais popular, mas o Congresso estaria fazendo cortesia com chapéu alheio, né? Dando um aumento que seria pago com orçamento, não do Congresso, mas do Poder Executivo. Então, por isso o constituinte ao redigir a Constituição, entendeu que, por exemplo, para dar aumento aos servidores do Poder Executivo, isso só pode acontecer no Congresso Nacional por meio de projeto de lei se o projeto for de autoria do próprio Poder Executivo. É como se a Constituição dissesse o seguinte: "olha, quem dá o aumento para os servidores públicos é o Congresso, mas só por provocação de cada poder. Então o Congresso pode dar aumento aos servidores de todos os poderes, mas só se os próprios poderes pedirem”. Então, por exemplo, o Executivo apresenta um projeto de lei para dar aumento aos servidores do Executivo. O Congresso, se concordar, aprova e o Judiciário propõe um projeto de lei para dar aumento aos servidores do Poder Judiciário. O Legislativo, o Congresso, se concordarem aprovam. Nesse caso eu tenho a iniciativa privativa de cada poder exatamente para proteger a independência e harmonia deste próprio poder para, vamos dizer assim, jogar com essa necessidade de convergência. Digamos, só há aumento para os servidores do Poder Executivo, se o Executivo e o Congresso concordarem, que é o caso. Só há aumento para os servidores do Judiciário ou do Ministério Público se a própria instituição e o Congresso concordarem. Por que que um deputado não pode propor aumento para os servidores do Ministério Público? Separação de poderes. E mesmo nesses casos também se admite emenda parlamentar, quer dizer, se admite que um parlamentar proponha alterações no projeto de lei que veio, mas ele não pode por meio de emenda parlamentar, nesses projetos de iniciativa privativa de outro poder, não se pode por emenda parlamentar gerar aumento da despesa. Aqui, para o nosso ouvinte acompanhar de forma bem detalhada, a situação é a seguinte: imagine que o Ministério Público da União enviou, por meio do procurador geral da República, que é o chefe da instituição, enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei dando aumento aos servidores da carreira de técnico administrativo, que ganham, digamos, cinco mil reais e que vão para ganhar sete mil. Esse é o projeto, essa é a proposição. Projeto de lei para dar aumento aos servidores do MPU, do Ministério Público da União, só pode ser proposto pelo próprio MPU. Mas se o Congresso pudesse fazer emendas neste projeto de maneira ilimitada, a gente cairia no mesmo problema, concorda? Se o Congresso pudesse pegar esse projeto e fizesse uma emenda e dissesse “não, senhor procurador geral da República. Para que dar sete mil? Vamos arredondar logo para 10? Eu cairia no mesmo problema, entendeu? Teria uma cortesia com o chapéu alheio. Eu teria um ato do Congresso Nacional que estaria então, vamos dizer assim, gerando obrigação financeira para outro poder, o que seria um desequilíbrio, uma desarmonia entre os poderes. Então por isso tem um artigo que é bem interessante da Constituição, que é o artigo 63. O artigo 63 diz “olha, nesses projetos de iniciativa privativa de outras autoridades, de outros poderes, o Congresso Nacional pode fazer emendas, porém não pode acarretar aumento de despesa, não podem essas emendas acarretarem aumento de despesa. Então, nesse meu exemplo, projeto de lei, de autoria do procurador geral da República, para aumentar o salário, o vencimento dos servidores técnicos do MPU de cinco mil para sete mil reais. O Congresso Nacional pode dizer “não, estamos em um momento de crise, não vamos dar aumento para ninguém”, rejeita esse projeto e aí tá arquivado. O Congresso Nacional pode dizer “aceito dar aumento, mas sete mil é muito. Vou fazer uma emenda para reduzir de sete mil para seis mil”, e seria admissível porque é uma emenda que não está acarretando aumento de despesa prevista. E o Congresso até poderia mexer em outros artigos do projeto de lei desde que mantivesse o vencimento em sete mil. O que não se admite é que o Congresso aumente esse valor total da despesa, que o Congresso faça uma emenda parlamentar que acarrete aumento da despesa prevista. Porque que nos projetos de lei de iniciativa privativa de um poder não pode o Congresso Nacional fazer emendas que acarretem aumento da despesa prevista? Separação dos poderes. Quer dizer, você vê que realmente, Fernanda, o princípio da separação de poderes é um grande princípio, é uma grande diretriz que informa o Direito Constitucional e a vida política brasileira, e ele vai se comunicando para outros caminhos, né? Ele vai se enraizando em vários dispositivos da Constituição. Mas basicamente em termos de processo legislativo, essas seriam as três consequências principais do princípio da separação de poderes. A excepcionalidade de qualquer legislação oriunda do Poder Executivo; a existência de hipóteses de iniciativa privativa de outro poder, quer dizer, casos que o Congresso só pode votar a pedido de outro poder se provocado por outro poder; e a vedação do aumento de despesa por emenda parlamentar nesses projetos de iniciativa privativa. F: A gente falou aqui das exceções, né? No caso do Executivo e do Judiciário também poderem legislar. Isso acontece, também, de o Poder Legislativo ter a prerrogativa, em algum momento, de julgar, por exemplo? J: Sim, sim, acontece. O Poder Legislativo também exerce a função judicante, a função jurisdicional, digamos assim, quando ele, por exemplo, julga determinadas autoridades pela prática de crime de responsabilidade, quando julga o "impeachment" (impedimento) de algumas autoridades. Aliás, aqui, Fernanda, me permita usar a audiência aqui do nosso podcast para fazer um um serviço de utilidade pública, uma prestação de serviço, né? A pronúncia correta, a pronúncia ortodoxa é "impeachment", com o T pronunciado, né? Tem muita gente que fala "impeachman" como se fosse de origem francesa, mas na verdade o instituto é de origem inglesa, né? Então é como pronunciava o decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello. Mas feito esse parênteses aqui, quando o Senado Federal, aqui é uma competência privativa do Senado, tá, a Câmara dos Deputados não participa. Claro que na esfera estadual não vai fazer diferença porque vai ser a Assembleia Legislativa unicameral. Mas na esfera federal esse julgamento de autoridades é feito pelo Senado e não pela Câmara, quer dizer, não é uma competência do Congresso Nacional, não abrange a Câmara. Mas então quando o Senado julga autoridades para decidir se elas vão ou não sofrer o impeachment ele está exercendo a função julgadora, uma função judicante. No Senado, por exemplo, está lá no artigo 52, incisos primeiro e segundo, o Senado Federal julga, por exemplo, o presidente da República, o vice-presidente da República e os ministros de Estado, esses últimos nos crimes de responsabilidade conexos com os do presidente ou do vice-presidente da República. Quem tem a grandiosa responsabilidade de tirar o mandato de um presidente eleito pelo voto popular, por entender que ele atentou contra a Constituição, é o Senado Federal, quer dizer, é um órgão do Poder Legislativo. Aliás, não só o presidente, o vice e os ministros, o Senado também julga, por exemplo, impeachment de ministros do STF, de Procurador Geral da República, de conselheiros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público… Existe um grupo de autoridades cuja fidelidade à Constituição é objeto de julgamento pelo Senado Federal e repito, ao exercer essa prerrogativa, o Senado Federal, que é um braço do Poder Legislativo, ele não está legislando, ele está efetivamente julgando, efetivamente produzindo uma decisão de caráter judicante. Até, é interessante saber que a resolução do Senado Federal que julga o crime de responsabilidade tem o nome de acórdão, assim como os dos tribunais, sabe? É realmente como se os 81 senadores formassem um tribunal para julgar aquela questão. F: Em 2018 o Senado se reuniu para julgar a Presidente da República, Dilma Rousseff, por crimes de responsabilidade na edição dos decretos suplementares sem autorização do Congresso Nacional e também por empréstimos junto a bancos públicos. Em um processo que durou 4 meses e meio, os senadores aprovaram o impeachment de Dilma com o placar de 61 votos favoráveis e 20 contrários. Durante todo o julgamento, os trabalhos foram conduzidos pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski. Foi ele quem proclamou o resultado no dia 31 de agosto de 2018. LOC: “O Senado Federal entendeu que a senhora Presidente da República Dilma Vana Rousseff cometeu os crimes de responsabilidade ficando assim acusada, condenada à perda do cargo de Presidente da República Federativa do Brasil.” F: Por que isso acontece, João? O que que tem por trás dessa prerrogativa do Senado Federal. Por que isso acontece? J: Bom, isso acontece em primeiro lugar porque é papel do Poder Legislativo fiscalizar o Poder Executivo. Desde lá da baixa idade média, desde a invasão da Inglaterra por Guilherme de Orange, Guilherme conquistador em 1066 e de forma mais pronunciada, após o reinado de João Sem Terra com a célebre magna carta lá de 1215, desde essas priscas eras, como dizia Augusto dos Anjos, é que a função de fiscalizar é uma função do Poder Legislativo, o Poder Legislativo como representante do povo, ele fiscaliza o exercício dos poderes pelo Executivo. Então aí quando surgiu o Instituto do Impeachment lá na Inglaterra, surgiu com esse julgamento político feito pelo Parlamento Inglês. Depois isso foi para Constituição Americana de 1787, em que se previu também o Senado fazendo esse julgamento de autoridades em caso de alta traição, etc., e veio para o ordenamento brasileiro. Isso, quer dizer, a origem útil disso daí é o fato de que como é o Poder Legislativo que fiscaliza os atos do Poder Executivo, é o Poder Legislativo que vai julgar um eventual atentado à Constituição praticado, por exemplo, pelo Presidente da República. Lembrando que esse julgamento do impeachment não tem natureza de um julgamento criminal comum. A pessoa condenada não vai para cadeia, por exemplo. Não cumpre pena de reclusão, ou detenção, ou multa, não. A pena ou as penas para o impeachment ou as penas para condenação pela prática de crime de responsabilidade são: a perda do cargo; a destituição do cargo ocupado, que é o impeachment propriamente dito; e a inabilitação para exercer qualquer outro cargo ou função pública pelo período de oito anos. É um julgamento de natureza política, feito por um órgão de natureza política, que é o Senado Federal, e com consequências também de natureza política. O impeachment e a inabilitação por oito anos para exercer cargo ou função. F: Além desse julgamento, você falou que o Poder Legislativo fiscaliza o Poder Executivo. Quais são os instrumentos para essa fiscalização? J: Em primeiro lugar existe o requerimento de informações, existe a possibilidade de alguns órgãos colegiados do Senado Federal e da Câmara dos Deputados requisitarem informações aos ministros de Estado, por exemplo, sobre a condução dos respectivos ministérios. “Olha, quero saber qual a política que você está fazendo para enfrentar o problema X... Quero saber qual é o cronograma de implementação do programa de políticas públicas tal..." Então isso é um primeiro instrumento. Outro instrumento também é a própria convocação de ministros do Estado para prestar esclarecimentos às comissões do Congresso Nacional. A gente vê muito, né? O ministro da Educação é convocado para explicar a questão do Enem, ministro da Saúde convocado para explicar plano de vacinação. Então, é um instrumento por meio do qual o Legislativo fiscaliza o andamento das políticas públicas no poder Executivo. LOC: “Na audiência pública marcada para esta quarta-feira, às 10 horas da manhã, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, deve falar sobre a gestão dos testes de detecção do novo coronavírus, comprados pelo governo, detalhando as quantidades, as condições de uso, as metas de distribuição e a possibilidade de descarte. Os exames, que perderiam a validade nos próximos meses, são considerados os mais eficazes para diagnosticar a doença e teriam custado 290 milhões de reais. A autora do pedido, a senadora Eliziane Gama, do Cidadania do Maranhão, afirma que é preciso usar todos os recursos disponíveis para preservar a saúde da população nesse momento de crise sanitária e econômica mundial.” J: Além disso, a gente tem também as comissões parlamentares de inquérito, as famosas CPIs, que estão previstas lá no artigo 58, parágrafo terceiro da Constituição, e cuja principal embora não única função seja fiscalizar os atos do Poder Executivo e investigar eventual má aplicação de recursos públicos, por exemplo... E nós temos ainda a possibilidade de o Legislativo requisitar tomadas de contas aos tribunais de contas, requisitar por exemplo que um tribunal de contas, no caso do Congresso Nacional o TCU, Tribunal de Contas da União, que investigue determinada prestação de contas de um órgão ou entidade, por exemplo, porque há suspeitas de que ali haja uma irregularidade. Aliás, Fernanda, uma curiosidade que pouca gente lembra é que a famosa Operação Lava Jato começou por uma tomada de contas feita pelo TCU na Petrobras, por determinação do Congresso Nacional. O Congresso Nacional determinou ao TCU que investigasse determinados contratos da Petrobras o TCU investigou, descobriu algumas ilicitudes comunicou ao Ministério Público e aí veio toda aquela operação montada com forças tarefas, etc., para investigar esses ilícitos. É uma decorrência desse poder fiscalizatório do Congresso Nacional. F: Esse poder fiscalizatório se estende também ao Judiciário? J: Se estende em certa medida, Fernanda. Por que que eu digo em certa medida? Porque o Legislativo, por meio de determinados instrumentos, ele não pode investigar a atividade fim do Judiciário. Ele não pode investigar, por exemplo, o exercício da jurisdição, porque a jurisdição, o poder de dizer o direito de resolver conflitos da sociedade é exercido pelo juiz de forma fundamentada. Então o juiz diz “ó, estou decidindo aqui, não é porque eu sou um iluminado divino, estou decidindo aqui pelo motivo A, B e C, porque eu entendo que se aplica à lei Z, D, E, F”. Então o Legislativo não pode, por exemplo, por meio de uma CPI, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, convocar um juiz para dizer “por que você deu a decisão X e não Y?” Se fosse possível obviamente qualquer juiz ficaria com medo de tomar uma decisão que desagradasse a maioria política do momento, e tudo que a gente não quer é juiz com medo. O juiz pode ter tudo, menos medo. Juiz que tem medo de decidir é realmente como o árbitro de futebol que está lá com medo de ter a família atacada. Obviamente ele não vai apitar a partida de uma forma imparcial que se exige, que se espera. Então, por exemplo, o artigo 146 do regimento interno do Senado Federal diz que não se admite CPI sobre matérias afetas à atividade fim do judiciário. Você pode investigar licitações feitas pelo judiciário, você pode investigar a conduta funcional do juiz, se eles cometeram alguma ilegalidade, mas você não pode convocar, por exemplo, o ministro do Supremo para dizer “por que você deu a decisão A e não a decisão B?” Isso é uma questão da consciência de cada juiz e da fundamentação de cada juiz. Então, em certa medida, esse poder fiscalizatório se estende ao Judiciário e ao Ministério Público, mas é numa extensão bem menor do que acontece em relação ao Poder Executivo. F: E a gente encerra aqui o 5º episódio do nosso podcast, que conta com a participação do professor e consultor do Senado Federal, João Trindade Cavalcante Filho. Não perca a nossa próxima conversa sobre o princípio da simetria. O podcast Legislativo – “Que poder é esse?” é uma produção da Rádio Senado, com sonorização de André Menezes e Josevaldo Souza e pós-produção de Luana Corrêa.

O MAIOR PECADOR DO MUNDO.

 


Frei Rufino, um dos primeiros companheiros de São Francisco de Assis, teve uma visão da glória do santo no Céu, por sua humildade, que muito lhe impressionava. Ele fez então a seguinte pergunta ao santo: "Meu caro pai, eu vos suplico dizer-me na verdade que opinião tendes de vós mesmo". E o santo lhe disse: "Na verdade eu me considero o maior pecador do mundo e aquele que menos serve a Nosso Senhor." "Mas," replico Rufino, "como podeis dizer isso de verdade e em consciência, uma vez que muitos outros, como se pode ver claramente, cometem muitos pecados graves, dos quais, graças a Deus, estais isento?"


Ao que São Francisco respondeu: "Se Deus tivesse favorecido esses outros, dos quais fala, com tanta misericórdia como me favoreceu, estou certo de que, por maus que sejam agora, eles teriam sido muito mais reconhecidos pelos dons de Deus do que eu, e o serviriam muito melhor do que eu. E se meu Deus me abandonasse, eu cometeria mais maldades do que nenhum outro..."

https://angueth.blogspot.com/search/label/A%20Vida%20dos%20Santos

sábado, 27 de janeiro de 2024

AULA 6 - PREPARATÓRIA PARA O CONCURSO UNIFICADO -

 


A política de direitos humanos no Brasil deve ser institucionalizada, deixando de estar vinculada a apenas um ministério e passando ser considerada temática de Estado, não de apenas um governo. A defesa foi feita pelo ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, no 3º Fórum Mundial de Direitos Humanos 2023, em Buenos Aires.

“Essa ação é o que eu chamo de institucionalização da política de direitos humanos, ou seja, envolver todos os outros ministérios e áreas do governo na promoção de direitos humanos, fazendo com que o nosso ministério seja um polo irradiador das políticas coordenadas e de todo o planejamento sobre a política de Estado”, disse Silvio Almeida.

Segundo o ministro, uma política institucional de direitos humanos preveniria ameaças de qualquer governo que ocupa o poder contra a elevação dos valores humanitários em defesa da vida, da fraternidade e do sentimento de paz entre os povos. Almeida reiterou que os direitos humanos vão além de um mero julgamento moral, muitas vezes propagador da "indignidade humana".

Na avaliação de Almeida, o retrocesso no Brasil nos últimos quatro anos só não foi maior por causa da estabilidade dos servidores públicos. Segundo o ministro, foram servidores competentes e políticas públicas enraizadas que impediram um colapso maior dos direitos dos povos indígenas e das políticas de saúde pública.

“Para exemplificar o que estou colocando, nós tivemos, mesmo durante o governo anterior, algumas políticas públicas essenciais salvas porque tínhamos um corpo burocrático estável, tínhamos servidores de carreira do Ministério da Saúde que salvaram a saúde no Brasil.


  1. O presidencialismo é um sistema de governo adotado em nações republicanas e caracterizado pelos maiores poderes atribuídos à figura do presidente.
  2. Ilustração de candidatos à representação máxima do presidencialismo, a presidência
  3. A realização de eleições com diversos candidatos é uma marca do presidencialismo. É o voto que determina a escolha do presidente no Brasil.
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  10. presidencialismo é um sistema de governo caracterizado pelo predomínio de poder na figura do presidente. Nesse sistema, o presidente acumula as posições de chefe de governo, chefe de Estado, e chefe do Executivo. Cada sistema presidencialista, é claro, estabelece os critérios para garantir o respeito do presidente ao sistema democrático.
  11. Um presidente é eleito para um mandato com tempo específico, e a possibilidade de reeleição é um critério definido pela lei de cada país que adota o presidencialismo. O Brasil adotou o presidencialismo em 1889, e o atual sistema presidencialista brasileiro foi organizado pela Constituição de 1988.
  12. Confira no nosso podcast: Eleições no Brasil — do início à atualidade
  13. Tópicos deste artigo

  1. 1 - Resumo sobre presidencialismo
  2. 2 - O que é o presidencialismo?
  3. 3 - Características do presidencialismo
  4. 4 - Presidencialismo no Brasil
  5. Resumo sobre presidencialismo

  1. É um sistema de governo marcado pelo predomínio de poder do presidente.

  2. É diretamente relacionado com o sistema republicano.

  3. Nele, o presidente é chefe de Estado e chefe de governo.

  4. O presidente é eleito por meio de eleições populares (diretas ou indiretas).

  5. No Brasil, o presidente tem mandato que pode durar até quatro anos, podendo ser reeleito uma vez.

  6. O que é o presidencialismo?
  7. O presidencialismo é um sistema de governo diretamente associado com o republicanismo e caracterizado pela concentração do poder na figura do presidente, que se torna chefe de Estado e chefe de governo simultaneamente. Essa concentração do poder no presidente não significa dizer que seus poderes são ilimitados.
  8. Isso porque os sistemas presidencialistas estabelecem, sobretudo por meio de uma Constituição, os direitos e os deveres de um presidente, estabelecendo também os limites do poder presidencial. No presidencialismo, o presidente é o chefe do Executivo, e delimita-se nesse sistema uma separação precisa de ExecutivoLegislativo e Judiciário.
  9. No presidencialismo, o presidente é entendido como um representante da população, pois é escolhido por meio de eleições populares. Sendo assim, nos sistemas presidencialistas é a própria população que elege o seu presidente. Cada país estabelece os critérios para que as eleições presidenciais aconteçam.
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  11. Outra coisa bastante comum em sistemas presidencialistas é a limitação do tempo de mandato do presidente. Geralmente, países presidencialistas estabelecem um período para um mandato com possibilidade de uma reeleição. Entretanto, existem alguns países que não permitem a reeleição de um presidente, limitando a permanência no cargo a um mandato apenas.
  12. É importante pontuar que um sistema presidencialista pode ser estabelecido também em um cenário ditatorial e não apenas em contextos democráticos. Isso porque um ditador pode estabelecer um sistema presidencialista de fachada com o intuito de dar legitimidade política e legal ao seu poder.
  13. Outro ponto fundamental quando falamos de presidencialismo é um dispositivo legal chamado impeachment. Esse recurso determina a deposição do presidente e só deve ser utilizado quando é comprovado legalmente que o presidente realizou ações que não são compatíveis com sua posição. Um impeachment realizado sem uma motivação ou usado apenas como instrumento de manipulação política é caracterizado como golpe.
  14. Leia mais: Regime de governo — o modo como o governo comporta-se, podendo ser democrático, autoritário ou totalitário
  15. Características do presidencialismo
  16. Primeiramente, é importante esclarecer que existem diversos modelos de sistemas presidencialistas em todo o planeta. Cada país adota esse sistema aplicando nele suas particularidades, mas é possível traçar algumas características comuns entre os diversos países que o adotam.
  17. Entre as características básicas do presidencialismo, estão:

  1. A maior autoridade do país é o presidente.

  2. O presidente é considerado o chefe de Estado e o chefe de governo.

  3. É eleito diretamente (ou indiretamente em alguns países) para um mandato com duração delimitada.

  4. É considerado o chefe do Executivo, não podendo interferir no trabalho do Poder Legislativo.

  5. Tem direito a compor o seu próprio governo, nomeando ministros, chefes das Forças Armadas e outras autoridades importantes para a administração pública.

  6. Pode propor projetos de lei e pode vetar decisões do Legislativo, mas os vetos presidenciais podem ser derrubados no Legislativo.

  7. Deve prestar contas das ações de seu governo para o Legislativo.

  8. Presidencialismo no Brasil
  9. O presidencialismo foi adotado no Brasil a partir de 1889, com a proclamação da república, e foi ratificado por meio da Constituição de 1891, que o reconheceu como sistema de governo brasileiro. Ao longo desse período, o Brasil passou por duas ditaduras e um breve parlamentarismo.
  10. Mais recentemente foi realizado no Brasil um plebiscito para consultar quais forma e sistema de governo a população brasileira desejava. Esse plebiscito foi realizado em 1993, com a população escolhendo a república e o presidencialismo respectivamente. O sistema presidencialista do Brasil foi delimitado pela Constituição de 1988.
  11. No sistema presidencialista brasileiro, é realizada eleição presidencial a cada quatro anos, a duração de um mandato. Um presidente eleito pode ser reeleito para mais um mandato de quatro anos, e depois desse período, é obrigado a licenciar-se do cargo.
  12. No Brasil, o presidente é, de fato, o chefe de governo e chefe de Estado, sendo a maior autoridade do país e o chefe do Executivo. Seu trabalho é fiscalizado pelo Legislativo, e o presidente brasileiro é obrigado a prestar contas de seu governo. Ele pode vetar decisões do Legislativo, mas seu veto pode ser derrubado.
  13. O presidente é o chefe das Forças Armadas e nomeia seus comandantes. Ele também nomeia os ministros do Supremo Tribunal Federal, seus ministros de Estado e de muitos outros cargos de importância da administração pública brasileira.
  14. A eleição do presidente no Brasil é direta, e, para um presidente ser eleito, precisa obter mais de 50% dos votos válidos. Caso nenhum candidato à presidência consiga esse feito no primeiro turno, os dois primeiros avançam para decidir a disputa em um segundo turno.

  1. Presidencialismo de coalizão no Brasil

  2. Muitos cientistas políticos classificam o presidencialismo no Brasil como de coalizão, como forma de demonstrar a importância do Legislativo para a posição do presidente. Isso porque é fundamental para o presidente ter uma base aliada no Legislativo para que ele possa ter apoio nos seus projetos ao longo de seu mandato.
  3. No caso brasileiro, é fundamental que o presidente tenha apoio no Congresso Nacional — Câmara dos Deputados e Senado Federal. Assim, o presidente precisa obter uma base de apoio parlamentar para ter sucesso em suas ações. Caso o partido do presidente não tenha a maioria parlamentar, é necessário que o governo estabeleça alianças políticas com outros partidos políticos para garantir esse apoio no Legislativo.

Combate às discriminações, desigualdades e injustiças: de renda, regional, racial, etária e de gênero







Avanços nos indicadores socioeconômicos da população negra atestam o impacto positivo das políticas universais. Ao mesmo tempo, os dados mostram a necessidade urgente de ações afirmativas de caráter amplo na busca por igualdade racial no Brasil. Segundo Douglas Belchior, “O jovem negro tem, hoje, oportunidades que seus pais não tiveram, mas isso não significa que elas sejam iguais”

Construir pontes que aproximem as realidades de brancos e negros no Brasil é um desafio monumental de engenharia social e econômica. Nas últimas duas décadas, políticas públicas de natureza diversa, adotadas em diferentes níveis de governo, têm sido capazes de impulsionar a construção das bases da igualdade. Indicadores socioeconômicos de toda ordem mostram uma melhoria nas condições de vida da população negra, bem como no acesso a serviços e direitos. Nesse período, homens e mulheres negras viram sua renda, expectativa de vida e acesso à educação – para citar apenas os componentes do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – avançarem de forma mais acelerada do que as da população branca.


Entretanto, ainda não é possível vislumbrar a superação do abismo racial. Os dados disponíveis indicam um caminho: é preciso apostar em políticas de ação afirmativa de forma consistente.

A criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), em nível federal, a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e os resultados encorajadores já revelados por algumas ações indicam um rumo positivo nas políticas públicas dos últimos anos. Embora persistam os debates acerca da constitucionalidade das ações afirmativas – especialmente nas cotas para ingresso em universidades e no serviço público –, muitos avaliam que a agenda está consolidada. “O momento é de continuidade e de ampliação”, afirma Tatiana Dias Silva, coordenadora de Igualdade Racial do Ipea, especialista em análises da questão racial. “Temores de que as ações afirmativas criariam um ‘racismo ao contrário’ ou ‘reduziriam o nível das universidades’ desapareceram. Os dados disponíveis desmentem tudo isso.”

Foto: Arquivo pessoal
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“Mesmo reconhecendo
que políticas universais
podem ser, às vezes, mais
positivas, a questão é saber
se seus efeitos tiveram a
capacidade de, efetivamente,
enfrentar o abismo
sociorracial no País.
E a resposta é não”

Marcelo Paixão,
economista

 
IMPACTO DAS MUDANÇAS Os argumentos favoráveis às ações afirmativas não vêm, necessariamente, de uma avaliação acerca do impacto específico das iniciativas em curso no País. O caráter pontual e descentralizado das políticas dificulta a identificação destas nas mudanças na vida dos negros brasileiros nos últimos anos. Há também o fato de um número cada vez maior de instituições e órgãos públicos e privados manterem programas de inclusão ou combate à discriminação e o preconceito. “A partir dos dados estatísticos, não é possível desagregar o que é impacto de ações afirmativas e o que é resultado das políticas de caráter universal”, comenta Marcelo Paixão, economista e coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A exceção talvez sejam os dados relativos à criação de cotas nas universidades públicas. Neste caso, é possível inferir, a partir dos editais e do Censo do Ensino Superior do Ministério da Educação, o número de estudantes afrodescendentes beneficiados pelas medidas. Segundo dados reunidos no artigo Juventude Negra e Educação Superior, de autoria de Adailton da Silva, Josenilton da Silva e Waldemir Rosa, no livro do IpeaJuventude e Políticas Sociais no Brasil, entre os anos de 2002 e 2009, pouco mais de 98 mil jovens negros entraram no Ensino Superior por meio de iniciativas desse tipo ou programas de bônus sobre a nota obtida nos processos seletivos. O levantamento não inclui os afrodescendentes que porventura se beneficiaram de cotas não raciais, que utilizam critérios de renda ou estão voltadas para alunos oriundos do sistema público de ensino. O Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2009-2010 (lançado pelo Laeser e pelo Instituto de Economia da UFRJ) atesta o seguinte quadro no ano de 2008: “Se, por um lado, os dados do Censo do Ensino Superior evidenciavam a existência de uma boa disseminação do número de Instituições de Ensino Superior (IES) que aderiram ao sistema de ingresso diferenciado, 26,3% do total das IES públicas do País, por outro lado, o número de vagas disponibilizadas pelo sistema de cota era de apenas 10,5%”.

Foto: Renato Araújo/ABr
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Ainda que restritas e criadas por iniciativa das instituições, sem qualquer tipo de integração ou norma que sustente a reserva de vagas como política pública abrangente, as cotas, somadas a ações de caráter geral de acesso ao ensino superior – como o Programa Universidade para Todos (ProUni) –, estão mudando o perfil do universitário brasileiro. Em 17 anos, a taxa líquida de matrícula de jovens de 18 a 24 anos – que mede o número de matriculados no nível esperado de ensino para aquela faixa etária – mais que quintuplicou entre os negros. Segundo dados levantados pelo Ipea para o Boletim Políticas Sociais: acompanhamento e análise nº 19, disponíveis no site criado por ocasião da programação em torno do Ano Internacional dos Afrodescendentes – www. ipea.gov.br/igualdaderacial –, no ano de 1992, apenas 1,5% dos jovens negros nesta faixa etária estavam na universidade. Em 2009, eram 8,3 %. Entre os jovens brancos, as matrículas líquidas triplicaram no mesmo período – de 7,2% para 21,3%. A frequência dos jovens negros na universidade, que correspondia a 20,8% da frequência dos brancos em 2002, passou a corresponder a 38,9% em 2009.

UNIVERSAL OU NÃO A divisão entre o peso das políticas universais e o das ações afirmativas lembra um dos debates de fundo sobre os efeitos do preconceito e da discriminação no País. Um dos argumentos contrários ao estabelecimento de políticas reparadoras baseadas em quesitos raciais é de que a exclusão social no Brasil não é determinada pela cor da pele, mas pela pobreza. Este é um dos pontos levantados pelo Democratas (DEM) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que questiona o sistema de cotas raciais no processo seletivo da Universidade de Brasília e que aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Por essa razão, o DEM advoga que apenas critérios econômicos poderiam ser válidos para o estabelecimento de cotas em vestibulares, por exemplo.

Foto: Sidney Murrieta
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“Conceitualmente,
a ação afirmativa é
aquela que, a partir da
identificação de uma
desigualdade, cria políticas
para alterar esse cenário
de forma a garantir acesso
a direitos, bens e serviços
semelhante ao restante
da população”

Tatiana Silva,
coordenadora de Igualdade
Racial do Ipea

Seguindo essa mesma lógica, programas voltados para o combate à pobreza e à redução das desigualdades sem recorte específico deveriam dar conta de acabar com as diferenças existentes entre negros e não-negros. São justamente as análises estatísticas que demonstram que os afrodescendentes são o grupo mais beneficiado pelos avanços econômicos e sociais recentes no País. Isso reforça os argumentos em favor das ações afirmativas. “Mesmo reconhecendo que políticas universais podem ser, às vezes, mais positivas, a questão é saber se seus efeitos tiveram a capacidade de, efetivamente, enfrentar o abismo sociorracial no País. E a resposta é não, não tiveram”, diz, taxativo, o economista Marcelo Paixão.

Paixão analisa a evolução dos negros no mercado de trabalho como um exemplo dos benefícios e limites das políticas universais. Segundo ele, há uma aproximação recente entre a renda do trabalho auferida por negros e brancos, mas longe de significar o fim das desigualdades. Os dados levantados pelo Ipea para o Boletim Políticas Sociais nº 19 Políticas Sociais: acompanhamento a análise, mostram que os rendimentos médios reais da população negra recebidos de todas as fontes, cresceram 56% entre 1992 e 2009, ante um aumento de 39% entre os trabalhadores brancos. No entanto, a diferença entre uns e outros continua significativa: na década de 1990, o rendimento dos negros equivalia a 50% do dos brancos; há dois anos, esta proporção passou a 57%.


SALÁRIO MÍNIMO E BOLSA FAMÍLIA A principal explicação para esta aproximação estaria no efeito redistributivo das políticas sociais, em especial em relação ao salário mínimo e os benefícios previdenciários. Isso porque a maior parte dos trabalhadores negros atua em setores cujos vencimentos estão atrelados ao salário mínimo.

Quando analisada a renda das famílias somando-se outras fontes além do trabalho, o resultado é o mesmo: percebe-se uma aceleração recente na diminuição das desigualdades, mas ainda insuficiente para dar conta da defasagem. Segundo análise do técnico do Ipea Sergei Soares, registrada em artigo no livro As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil – 120 anos após a abolição (disponível em www.ipea.gov.br), a razão entre a renda domiciliar per capita das famílias negras e a das famílias brancas iniciou um trajetória de queda constante a partir de 2001. Ao longo dos anos 1990, os brancos viviam com um ingresso 2,4 vezes maior do que os negros. Em 2007, essa proporção caiu para 2,06. No entanto, alerta Soares, mantido esse ritmo – o que não é provável –, a igualdade entre os dois grupos só seria alcançada em 2029.

Foto: Giberto Maringoni
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Além dos fatores macroeconômicos e das políticas salariais, tanto a análise do Ipea como a do Laeser chamam a atenção para o peso dos programas de redistribuição de renda. O relatório do Laeser aponta que a importância dos benefícios do Bolsa Família sobre a renda das famílias negras é significativamente maior do que para as famílias brancas. Entre os afrodescendentes, o programa representa 23,1% da renda da família. Para os brancos, 21,6%. Além disso, a proporção de famílias cujo chefe é preto ou pardo beneficiadas pelo programa – 24% do total de famílias deste grupo no país – é quase três vezes maior do que a das unidades familiares brancas (9,8%).

Foto: Arquivo pessoal

“Apesar da insuficiência das
ações até aqui adotadas,
o sentido das iniciativas
em curso é colocar em debate
o tema da reparação histórica
ao povo negro, algo que
faz parte das reivindicações
do movimento desde
a década de 1980”

Douglas Belchior,
membro da Coordenação Geral da União
de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora
(Uneafro Brasil)

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Com os rendimentos de trabalho crescendo e a maior participação nos programas de distribuição de renda, é natural que os índices de pobreza e indigência caiam rapidamente entre os afrodescendentes. No entanto, embora em números absolutos mais negros tenham ultrapassado a linha da pobreza, a redução proporcional dos índices ficou em torno de 30% para os dois grupos, mantendo as diferenças significativas. Em 1997, 57,7% dos negros brasileiros eram pobres. Dez anos depois, eram 41,7%. Entre os brancos, o percentual caiu de 28,7% para 19,7% no mesmo período.

TRABALHO PRECÁRIO “O fato é que as políticas macroeconômicas e as de caráter redistributivo, como o Bolsa Família, contribuíram para diminuir a desigualdade de renda, mas a distância é muito grande”, comenta Marcelo Paixão. Os limites ficam mais evidentes, diz ele, quando se analisa a possibilidade de mobilidade dos negros dentro do mercado de trabalho. “Essas políticas gerais não afetam a maneira como os afrodescendentes chegam ao mercado, nem como são tratados dentro dele. A estrutura do vínculo com cor e raça não muda”, afirma. Hoje, os negros são maioria nos setores econômicos com as piores condições laborais – agricultura, construção civil e trabalhos domésticos – e também nas posições mais precárias, sendo a maioria entre os profissionais não remunerados e assalariados sem carteira.

Em outras palavras, embora melhores as condições de vida da população negra, políticas que ignorem a questão racial não ajudam a superar a expressão real do preconceito e da discriminação. O mesmo se dá no acesso à saúde ou no aproveitamento das oportunidades educacionais. Na área da educação, por exemplo, é possível comemorar as reduções das diferenças entre negros e brancos em relação ao número de anos de estudo formal ou nos índices de analfabetismo. A taxa de analfabetismo em 1992 era de 10,6% para brancos e 25,7% para negros; em 2009, 5,94% para brancos e 13,42% para negros. Nesse período, embora tenha caído a desigualdade, a taxa dos negros permaneceu mais que duas vezes maior que a taxa da população branca, de acordo com dados do IBGE compilados pelo Ipea.

Por outro lado, o aumento das matrículas em creches ou pré-escolas é muito maior entre crianças brancas. A entrada no percurso escolar regular é mais atribulada para as crianças afrodescendentes.
Foto: Elza Fiuza/ABr
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TAXA DE HOMICÍDIOS Um número estarrecedor é do aumento de homicídios de negros, especialmente entre os jovens. Segundo o Mapa da Violência, editado pelo Ministério da Justiça e pelo Instituto Sangari, o número de brancos mortos vem diminuindo ao longo dos anos, enquanto os casos envolvendo negros aumentam. Em 2008, o número de jovens negros de 18 a 25 anos vítimas de homicídio foi 134% maior do que o de jovens brancos.

Foto:  Marcello Casal Jr. /ABr
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“Temos uma série de
reconhecimentos das
desigualdades, mas há
problemas na adoção de
políticas públicas, como a
baixa adesão setorial e a pouca
visibilidade das ações que por
não serem integradas no seu
planejamento também não
podem ser monitoradas”

Tatiana Silva,
coordenadora de Igualdade Racial do Ipea

Os dados evidenciam a necessidade urgente de se ampliar o combate às desigualdades raciais. “Conceitualmente, a ação afirmativa é aquela que, a partir da identificação de uma desigualdade, cria políticas para alterar esse cenário de forma a garantir acesso a direitos, bens e serviços semelhante ao restante da população”, explica Tatiana Silva, do Ipea. “Não é, necessariamente, política de cotas. Pode haver, por exemplo, a divulgação de vagas de trabalho para públicos específicos. Ou, como no caso da saúde, focar o combate a patologias típicas da população negra.”

Na avaliação de Tatiana, apesar da consolidação das ações afirmativas como uma necessidade, há muitas iniciativas ainda realizadas de forma experimental, através de convênios e sem garantia de continuidade. “Temos uma série de reconhecimentos das desigualdades, mas há problemas na adoção de políticas públicas como a baixa adesão setorial e a pouca visibilidade das ações, que por não serem integradas no seu planejamento também não podem ser monitoradas”, comenta.

Ainda assim, há perspectivas positivas para a ampliação das ações afirmativas, considerando o contexto após a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, no ano passado, e a instituição do Sistema Nacional de Igualdade Racial previsto por ele. Outra janela de oportunidade é a revisão em curso do Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Apesar de ser considerado, como diz Tatiana, “um quadro de intenções”, a rediscussão do plano, associada aos debates sobre o Plano Plurianual, pode abrir espaço para se estabelecer uma gestão coordenada das ações afirmativas em nível federal.

 
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Cristina Charão – de São Paulo

O resultado intangível da implementação de ações afirmativas no Brasil, segundo analistas e representantes do movimento negro, foi colocar, definitivamente, a discriminação e o preconceito na agenda pública. “Apesar da insuficiência das ações até aqui adotadas, o sentido das iniciativas em curso é colocar em debate o tema da reparação histórica ao povo negro, algo que faz parte das reivindicações do movimento desde a década de 1980”, avalia Douglas Belchior, membro da Coordenação Geral da União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora (Uneafro Brasil)

Marcelo Paixão, economista da UFRJ, afirma que “o grande impacto das medidas de ação afirmativa foi colocar o tema das desigualdades raciais, mudando a lógica como vínhamos discutindo a questão das desigualdades sociais no Brasil”.

O debate público acerca dos efeitos do preconceito e da responsabilidade do Estado sobre a promoção da igualdade ganhou impulso na esteira da Constituição de 1988, seja pela revitalização do movimento negro no processo de discussão da nova Carta, seja pelo caminho aberto por ela para a criminalização do racismo.

Após um período em que o tema se volta para o reconhecimento e a penalização dos crimes raciais, em meados da década de 1990, começam a ser implementadas as primeiras políticas públicas voltadas ao combate à discriminação.

No início dos anos 2000, o governo federal começa a investir em projetos de caráter afirmativo.

Em 2002, o Itamaraty lançou o Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco, órgão responsável pela formação dos diplomatas. O programa está baseado na concessão de bolsas a afrodescendentes em cursos preparatórios para o processo de seleção do Instituto. Em nove anos, 17 ex-bolsistas passaram a fazer parte do corpo diplomático.

Em 2011, o Itamaraty deu um passo adiante, criando também uma cota de vagas para negros na primeira etapa do processo seletivo. “Entre as razões que levaram o Itamaraty a adotar um programa de ação afirmativa está o fato de que a diplomacia é uma carreira que sofria de uma percepção social elitista; segundo, é uma carreira que representa o País e houve o entendimento de que essas duas questões deveriam ser enfrentadas”, comenta o primeiro-secretário do Instituto, Márcio Rebouças. “Por fim, em Durban [durante a III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância], o Itamaraty assumiu o compromisso de promover ações afirmativas”.
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Em 2003, o Ministério da Saúde lançou o Programa de Combate ao Racismo Institucional, que durou até 2006 e buscou formar gestores para a promoção da equidade racial na área. Um ano antes, o Ministério da Educação havia criado o Programa Diversidade na Universidade, para apoiar cursinhos pré-vestibulares voltados para afrodescendentes. Foi uma primeira resposta do governo a pressões para o desenvolvimento de ações afirmativas, que cresceram a partir de iniciativas pioneiras de algumas universidades – as estaduais do Rio de Janeiro e a Universidade de Brasília (UnB) – e mesmo de órgãos públicos, como o Ministério das Relações Exteriores.

JULGAMENTOS Em 2001, as universidades estaduais do Rio de Janeiro – UERJ e UENF – criaram cotas para negros nos seus processos seletivos, depois de um primeiro ano em que o vestibular de ingresso reservou vagas para alunos vindos de escolas públicas. Em 2003, a UnB aprovou a criação das cotas raciais, numa iniciativa inédita entre as federais. A medida é ainda hoje alvo de uma ação no STF, movida pelo DEM, que contesta a constitucionalidade de tais políticas.

“Uma pesquisa da Associação dos Juízes Federais sobre a jurisprudência em segunda instância mostra que há prevalência do entendimento sobre a constitucionalidade das cotas na educação. A OAB também se posicionou favoravelmente ao tema. Agora, devemos começar a ver vários questionamentos em relação às cotas no serviço público”, avalia Tatiana Silva, coordenadora de Igualdade Racial do Ipea”.

A reserva de 10% de vagas para negros no serviço público já é realidade em alguns Estados, como o Paraná e Mato Grosso do Sul. No Rio de Janeiro, a destinação é de 20% para negros e índios. Já em Vitória (ES), a adoção das cotas nos concursos foi contestada pelo Ministério Público Estadual e suspensa pelo Tribunal de Justiça. Uma decisão favorável do STF seria um reforço político importante a favor das ações afirmativas, reconhecendo o papel do Estado na reparação dos efeitos do preconceito e da discriminação.
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IMPACTO DAS AÇÕES Em certa medida, a reação aos avanços nas políticas voltadas à promoção da igualdade racial nos últimos anos demonstra o impacto das ações afirmativas. “Fomos acusados de criar um ‘tribunal racial’, quando decidimos exigir a comprovação da declaração de afrodescendente com fotos”, comenta Dione Moura, professora Faculdade de Comunicação da UnB que coordenou a comissão responsável pela criação do programa de cotas. “Fizemos isso porque tínhamos provas concretas de que cursos pré-vestibulares e escolas estavam incentivando seus alunos brancos a se inscreverem como cotistas para desmoralizar nosso processo de seleção.”

Outra questão levantada à época, é a suposição de que a entrada de alunos “menos preparados” através das cotas rebaixaria a qualidade do ensino nas universidades. “Acompanhamos o percurso dos cotistas e provamos que eles tinham índices menores de abandono do curso”, conta Dione. Segundo ela, estes alunos valorizam mais a passagem pela universidade e engajam-se de forma mais qualificada nos estudos.

Para Douglas Belchior, o debate sobre as cotas deixou “à mostra que a elite brasileira é racista”. Crítico em relação à limitação atual das ações afirmativas, ele reconhece que o fato de iniciativas estarem sendo levadas adiante repercute de forma positiva sobre a autoimagem e a perspectiva de vida dos afrodescendentes, especialmente os mais jovens. “O jovem negro tem, hoje, oportunidades que seus pais não tiveram, mas isso não significa que temos oportunidades iguais”, comenta. “Olhando para trás, o avanço é inegável. Olhando para a frente, vemos que não é tanto assim.”

 
A discussão sobre o futuro da democracia passa necessariamente sobre ideias relacionadas a uma reforma do atual sistema político e transformações na forma de gerir a coisa pública. A crise que vem dominando o aparato estatal começa a abrir perspectivas para a renovação e garantia da cidadania. A globalização, as regras do mercado e a constante mudança das relações sociais e comportamentais ante às inovações trazidas por esse contexto, imputaram ao Estado de Direito mudanças inevitáveis. O avanço tecnológico, o fluxo de informações, transformam a maneira como o cidadão se vê perante o Estado e exigem novas e mais ágeis respostas do Estado ao cidadão. Tudo isso perpassa pela ideia de uma Governança Pública e o modo por meio do qual os administradores públicos entendem a interconexão entre desenvolvimento e economia.
Democracia é um tema que tem sido discutido intensamente no Ocidente nos últimos anos. Muitos livros foram publicados. Inúmeros congressos e seminários foram promovidos. De Madeleine Albright e Steven Levitsky a Michael Sandel e Martin Wolf, para citar alguns autores que publicaram reflexões profundas e contundentes recentemente.
Por um bom tempo, acreditou-se no fim da história, no triunfo da democracia liberal. Ledo engano. A democracia liberal deixou expressivas parcelas da população de fora dos ganhos da economia, dos incrementos de produtividade. Ao contrário, largos segmentos assistiram impotentes a sua perda de status social, seus salários estagnados e o desaparecimento de empregos. Isso favoreceu a crescente descrença nas instituições, atestada em pesquisas de opinião.
Daí os apelos de aventuras autoritárias, o sucesso de candidatos populistas “antissistema”, que proliferam em tantos lugares. A democracia e suas instituições não são vistas por vastas parcelas da sociedade como responsáveis por uma vida melhor. De modo oposto, são tidas como instrumentos para favorecer aristocracias incrustadas na máquina pública e monopólios que extraem parcelas cada vez maiores do que é produzido. A democracia liberal provoca, nessa visão, concentração de poder e concentração de renda. Populistas que se propõem a quebrar esse círculo são grandemente admirados e seguidos.
O grande desafio é mudar esse estado de coisas. Como as instituições tradicionais podem quebrar essa visão negativa? Como podem contribuir para o fortalecimento da democracia substantiva, com o cidadão no centro das decisões, engajado, vibrante?
Promover a democracia e a cidadania é dever de todos. Democracia, que além de eleições periódicas, implica sociedade ativa. Implica liberdade de associação. Liberdade de manifestação. Exige imprensa livre. E tem a cidadania ativa como pressuposto. O cidadão protagonista, não apenas o eleitor a cada quatro anos, distante do Estado e do governo no restante do tempo, mas participante na formulação, na implementação e na avaliação de políticas públicas. Há muito, portanto, a se fazer para renovarmos o vigor e a confiança na democracia e afastarmos o espectro do autoritarismo.