O conceito de comunicação pública pode ser considerado como uma evolução de vários outros que o precederam na busca de uma definição para a comunicação praticada por diferentes organizações sociais em contextos históricos diversos. Várias terminologias podem ser evocadas para demarcar uma fase embrionária da comunicação pública, entre elas comunicação organizacional, empresarial, governamental, política, integrada, corporativa, administrativa e estratégica.
2Sua configuração atual é resultado de uma evolução de aproximadamente dois séculos, iniciada ainda na época da Revolução Industrial1. Em linhas gerais, o progresso das indústrias trouxe consigo a automação, provocando uma mudança radical nas relações entre empregados e empregadores. A conscientização gradativa do operariado acirrou os choques entre capital e trabalho, o que despertou a imprensa sindical e, como contrapartida, a comunicação empresarial, a fim de manter relações em bom nível com públicos internos e externos (Torquato, 1984; Kunsch, 1997).
3No Brasil, a experiência só teve início cerca de 100 anos depois, já que o princípio da industrialização nacional data de 1930. Foi nessa época que as empresas começaram a sentir a necessidade de constituir jornais próprios: “O primeiro deles parece ter sido o 'Boletim Light', fundado em 1925 por um grupo de funcionários da Light” (Torquato, 1984: 27).
4Conforme Kunsch (1997), é a partir da década de 50, sob influência das relações públicas, que o jornalismo empresarial começa a configurar-se efetivamente no meio comunicacional. O trabalho articulado dessas duas áreas foi o prenúncio de uma comunicação integrada:
Um incremento real só viria a ter lugar na década de 1960, com a expansão dos departamentos de relações públicas e de relações industriais nas grandes empresas multinacionais, que trouxeram suas experiências dos países de origem. As publicações empresariais passaram a ser cada vez mais valorizadas como um meio imprescindível para atender às novas demandas da comunidade e da opinião pública, desencadeadas com o desenvolvimento rápido da economia e da sociedade brasileira. E, à medida que a conjuntura e as estruturas se sofisticavam, também havia mister de aperfeiçoar o relacionamento entre o capital e o trabalho e entre a organização e seu universo de públicos externos. Assim, os profissionais que atuavam nos mencionados departamentos logo perceberam a necessidade de um maior nível de qualidade editorial e técnica para tais publicações, mediante uma aglutinação de esforços com essa finalidade. A comunicação organizacional passaria, sucessivamente, por uma era do produto (década de 1950), da imagem (década de 1960), da estratégia (décadas de 1970 e 1980) e da globalização (década de 1990) (Kunsch, 1997: 57, grifos da autora).
5Outro marco importante para a história da comunicação em organizações foi a criação da Associação Brasileira dos Editores de Revistas e Jornais de Empresa (Aberje), em 1967, cuja preocupação predominante se concentrava em organizar o setor e profissionalizar as publicações empresariais existentes. Essa foi a tônica da Aberje, e da área como um todo, até mais ou menos o final da década de 80.
6Somam-se a isso o regime político autoritário, com organizações protegidas pelo governo, e a sociedade civil enfraquecida, o que se refletia em uma postura fechada em relação aos atores sociais. Havia ainda uma acentuada “compartimentalização das assessorias de comunicação em ações de jornalismo, publicidade e relações públicas desenvolvidas isoladamente, sem a orientação de uma política e diretrizes que garantissem seu tratamento processual” (Oliveira & Paula, 2008: 19). Tal divisão é bastante característica das assessorias de comunicação da área governamental, surgidas no Brasil na década de 70, via de regra subordinadas diretamente à autoridade máxima do órgão: “O modelo corresponde a uma prática de trabalho em que o foco é o atendimento à cúpula da instituição, com a função de 'dar visibilidade', ou seja, 'colocar na mídia' o órgão governamental ou dela defendê-lo” (Brandão, 2012: 13).
7O paradigma então vigente era o informacional ou funcionalista, que se caracteriza pela bipolarização, isto é, centrado em papéis fixos de emissão e recepção, evidenciando a tendência passiva do receptor. Embora exista retroalimentação, ela é sempre posterior, portanto o receptor segue sendo o destinatário da mensagem, instigado a reagir a estímulos. É uma visão mecanicista e que aposta na ideia de transporte da informação.
8Com a reabertura política e o início do processo de redemocratização, empresas e instituições começaram a perceber uma maior necessidade de transparência, o que elevou a comunicação à condição de área estratégica, imprescindível para a detecção de oportunidades e ameaças internas e externas. A própria Aberje serve como exemplo concreto da mudança. Em 1989, alterou seu nome para Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, como reflexo de uma ampliação de seu conceito e de seus objetivos, agora inseridos em uma visão mais abrangente de comunicação organizacional, que, de forma geral, se sobrepõe ao jornalismo empresarial.
9O livro Portas Abertas, que relata o plano implantado pela Rhodia no final dos anos 1990, foi um dos primeiros estudos a compreender o papel das políticas de comunicação no fortalecimento dos laços de integração das empresas com a sociedade, diante dos desafios que se impunham no mercado brasileiro. Para Bueno (2009: 308), a Rhodia se constitui no exemplo pioneiro de construção de uma política de comunicação em nosso país, a partir de 1985. Conforme o autor, a política sempre tem um vínculo com a história de uma organização. No caso da Rhodia, esse nasceu da preocupação e da necessidade de tornar a empresa mais conhecida de seus públicos, já que, tradicionalmente, ela não mantinha contatos externos. A política da empresa refletia uma postura que estava emergindo e pregava a transparência em vez do fechamento, assumindo os novos ares políticos que sopravam no Brasil.
10Do ponto de vista acadêmico até então, o principal pesquisador era Gaudêncio Torquato. A ele somou-se, a partir do final dos anos 80, outra autora que acabou sendo extremamente relevante para a área: Margarida Maria Krohling Kunsch, uma das principais defensoras da aplicação dos termos “comunicação organizacional”. Ela entende que, além de compreender todo o espectro das atividades comunicacionais (relações públicas, relações governamentais, comunicação de marketing, comunicação corporativa, comunicação interna e comunicação externa), tais termos apresentam “maior amplitude, aplicando-se a qualquer tipo de organização e não só àquilo que se chama 'empresa'” (Kunsch, 1997: 69).
11A década de 90 marcou um período de transição lenta para esse novo modelo de atuação, mais integrado. Claro que, quando se traça um processo evolutivo em linhas gerais, corre-se o risco de generalizar demais as mudanças e incorrer em impropriedades. Como bem colocam Oliveira e Paula,
o avanço verificado na prática de comunicação organizacional não é homogêneo nem linear, e ocorre em estágios diferentes. É crescente o número de organizações que têm um processo de comunicação contínuo e consolidado, mas muitas ainda atuam de forma instrumental e pontual (Oliveira & Paula, 2008: 20).
12Um exemplo claro é a não existência de um padrão de nomenclatura. Em 1996, segundo um levantamento feito por Kunsch, havia cerca de 300 empresas prestando serviços terceirizados de comunicação, relações públicas e assessoria de imprensa (essas eram as definições que elas mesmas utilizavam para descrever o escopo de suas funções). Ofereciam aos clientes atividades de pesquisa, auditoria de opinião, imprensa, comunicação interna, organização de eventos, programas de apoio ao marketing, promoção, mala direta, editoração de livros, calendários e publicações periódicas, propaganda institucional e clipping impresso e eletrônico. Também havia uma série de empresas com departamentos internos, sendo estes principalmente de “comunicação social, comunicação ou relações públicas” (Kunsch, 1997: 66).
13Nessa época, as pressões da sociedade civil pela democratização da comunicação, reivindicando seu direito a ela, se repercutiram intensamente na esfera estatal, impondo aos governantes a primazia pela transparência e pela prestação de contas. Canais de comunicação foram ampliados para aproximar o cidadão do Estado, tanto no sentido de informar sobre os serviços prestados e as formas de acesso aos poderes públicos como de incorporar os anseios populares pela elaboração de políticas públicas com ações voltadas à democracia participativa. O dever de informar passou a ser também uma responsabilidade social das empresas, públicas e privadas, que começaram a criar mecanismos para permitir maior visibilidade de suas ações e mostrar o que é feito em benefício do cidadão.
14A chegada da internet, por volta de 1995, foi mais um elemento a fortalecer a existência de outros atores sociais além das organizações, que agora precisavam pensar seus processos de forma planejada, a fim de que o relacionamento com a sociedade ocorresse de forma alinhada com políticas e práticas de gestão. O paradigma informacional começou a demonstrar sinais de insuficiência, o que requereu uma revisão teórico-conceitual da comunicação organizacional. A proposta mais interessante no Brasil até o momento parece ser o modelo de interação comunicacional dialógica, apresentado por Ivone de Lourdes Oliveira em sua tese de doutoramento, publicada em 2002. A autora aplica à comunicação organizacional uma concepção baseada no conceito de interação e no paradigma relacional da comunicação (processo plural e multifacetado de interação entre atores sociais), o que pressupõe a circularidade de discurso entre os envolvidos e a importância da interlocução. Para ela,
[...] a crescente articulação da sociedade em rede amplia os espaços de interação social e multiplica a atuação de indivíduos e grupos no contexto contemporâneo, devido ao acesso à informação e à facilidade de troca. Eles passam a desempenhar múltiplos papéis sociais. Nesse cenário, a gestão da comunicação nas organizações pautada no paradigma clássico/informacional, centrado na emissão e recepção de informações, torna-se insuficiente para administrar a abundância dos fluxos e demandas informacionais e a crescente rede de relacionamentos que se estabelece entre organizações e atores sociais [...] a comunicação organizacional avança para uma dimensão estratégica, que agrega, ao caráter técnico-instrumental, uma concepção interativa e relacional. Assim, torna-se importante compreender a complexidade dos processos comunicacionais nesse contexto e propor um tratamento dialógico na relação organização e atores sociais (Oliveira & Paula, 2008: 6-7).
15Oliveira entende que, embora a principal meta da organização seja a geração de valor, é cada vez mais claro que, “para (a alcançar), precisa ter outras perspectivas, além do ganho econômico e o poder, numa concepção de geração social de valor que envolva todos os interlocutores” (id.: 29). Seu modelo assemelha-se ao que Grunig (1992) chamou de “comunicação simétrica de mão dupla”, centrado na negociação e no consenso, mostrando a importância de balancear os interesses dos dois grupos. A organização passa a ser entendida como um dos interlocutores entre os atores sociais. Também entra em cena o componente do espaço comum, propício à troca de visões e experiências, o que torna possível a negociação e o entendimento, favorecendo a autonomia do receptor, que perde a função passiva de receber mensagens e passa a atuar como sujeito do processo.
16É justamente essa valorização intersubjetiva entre interlocutores, baseada em exposição de ideias, argumentação e debate sobre assuntos que atingem as partes envolvidas, que torna o modelo de interação comunicacional dialógica bastante pertinente em organizações cujo cerne seja o interesse público. Apesar disso, o modelo é limitado, por não tratar especificamente de órgãos ligados ao Estado. Por configurar-se como um padrão normativo para a comunicação organizacional em geral, o que inclui empresas privadas, deixa lacunas quando às especificidades de instituições estatais.
17Essas, por sua vez, expandiram grandemente suas estruturas de assessorias de comunicação nos últimos anos, com a ampliação de responsabilidades e a “formação de um segmento profissional que exige conhecimentos especializados para dar conta de seu novo papel no complexo burocrático do Estado” (Brandão, 2012: 12). Nesse contexto, começou a tomar forma no Brasil um outro e mais específico conceito teórico: comunicação pública. O tema em si não é novo; é-o, sim, a abordagem que passa a receber a partir do final da década de 90, baseada, principalmente, nos trabalhos de Heloiza Matos, Elizabeth Brandão, Jorge Duarte e Maria José da Costa Oliveira.
Presente
3 Vale ressaltar que há discussão acadêmica sobre o fato de a Constituição não especificar o que dife (...)
18Antes de descrever essa abordagem, cabe uma breve contextualização da origem do conceito, para que fique claro o que muda. Segundo Matos, a implantação da radiodifusão, nos anos 20, “consagrou a expressão comunicação pública, entendida como comunicação estatal. Isto é, o termo era utilizado em contraste com a comunicação do setor privado” (2012: 49). O problema é que, com o passar dos anos e a evolução dos meios técnicos, tratar comunicação pública como sinônimo de radiodifusão pública tornou-se uma aproximação muito limitada. Rabaça e Barbosa (2001) definem radiodifusão como a difusão de informações mediante sinais eletromagnéticos para recepção simultânea pelo público em uma determinada área geográfica. No Brasil, todo o sistema de radiodifusão (privado, público e estatal) é objeto de concessão pública, conforme a Constituição Federal2. Portanto, parece correto dizer que, como as emissoras de rádio e televisão – sejam públicas, estatais3 ou privadas – prestam um serviço público, ao menos em parte (no caso das comerciais) realizam funções de comunicação pública. Porém, não é pertinente limitar comunicação pública a esse rol de promotores/emissores. Se assim o fosse, como seriam enquadrados as assessorias de comunicação de órgãos públicos ou os jornais e as agências de notícias mantidos pelo Estado? Equivocam-se os pesquisadores que continuam tentando igualar os termos radiodifusão pública e comunicação pública. O segundo é certamente mais amplo do que o primeiro. Da mesma forma, a redução a sinônimo de comunicação estatal, focada em propaganda e divulgações institucionais, não se sustenta mais.
19Em busca de respostas a essas lacunas no âmbito da comunicação nas organizações, o conceito de comunicação pública começou a ganhar contornos mais específicos na segunda metade dos anos 90. Tendo em vista a escassa bibliografia especializada, foi Heloiza Matos quem trouxe da França, em 1998, o livro La Communication Publique (1995), de Pierre Zémor. Em linhas esse autor afirma que
[...] se as finalidades da Comunicação Pública não devem estar dissociadas das finalidades das instituições públicas, suas funções são de: a) informar (levar ao conhecimento, prestar conta e valorizar); b) de ouvir as demandas, as expectativas, as interrogações e o debate público; c) de contribuir para assegurar a relação social (sentimento de pertencer ao coletivo, tomada de consciência do cidadão enquanto ator); d) e de acompanhar as mudanças, tanto as comportamentais quanto as da organização social (Zémor apud Brandão, 2006: 13).
20A busca inicial de Matos era por uma aproximação entre os conceitos de comunicação pública e comunicação política – e, mais recentemente, somou a esses dois o conceito de capital social. Embora tenha encontrado dificuldades nessa trajetória, marcadas por um discurso pouco objetivo, que na maioria das vezes apenas circundou o tema, em 2006 a autora acabou por oferecer uma definição:
[...] Processo de comunicação instaurado em uma esfera pública que engloba Estado, governo e sociedade, um espaço de debate, negociação e tomada de decisões relativas à vida pública do país [...] um campo de negociação pública, onde medidas de interesse coletivo são debatidas e encontram uma decisão democraticamente legítima (Duarte & Veras, 2006 apud Matos, 2012: 49).
21Ainda nessa fase inicial, em 2004, Maria José da Costa Oliveira organizou uma obra chamada Comunicação Pública, em que o conceito foi abordado nas suas interfaces com a sociedade, o governo e a esfera pública não estatal. Na apresentação, destacou que o tema, embora de primeira grandeza, ainda era pouco difundido no Brasil. E que havia grande tendência de o considerar como comunicação praticada pelo governo, embora fosse mais amplo. A definição da autora é a seguinte: “Comunicação realizada no espaço público democratizado, com a discussão de temas de interesse público, o que subentende o envolvimento e a participação ativa do governo, das empresas, do Terceiro Setor e da sociedade como um todo” (Oliveira, 2004: 9).
22Em 2007, Jorge Duarte organizou o livro Comunicação pública: Estado, mercado, sociedade e interesse público, reeditado várias vezes ao longo dos anos e que se tornou um marco para o conceito no país4. A obra inclui, por exemplo, o capítulo “As formas de Comunicação Pública”, traduzido do livro de Pierre Zémor. Destaca-se no texto a Carta de Deontologia publicada pela Associação Comunicação Pública, entidade criada em 1989 no âmbito da Federação Europeia e que promoveu o Encontro das Comunicações Públicas, reunindo comunicadores que têm por missão o serviço público. A carta contém princípios de ação e regras de comportamento (p. 242). Zémor também apresenta “Competências ou modos de comunicação pública” (p. 243), voltados tanto para a comunicação interna como para a externa.
23Na obra organizada por Duarte, aparece ainda um segundo autor estrangeiro que contribui para os estudos brasileiros. O colombiano Juan Camilo Jaramillo López entende comunicação pública como um
[...]conjunto de temas, definições, fatos e metodologias referentes à forma como os sujeitos lutam por intervir na vida coletiva e na evolução dos processos políticos provenientes da convivência com 'o outro', por participar da esfera pública, concebida como o lugar de convergência das distintas vozes presentes na sociedade (López, 2012: 246).
24Sua concepção tem viés habermasiano, principalmente por ser um espaço onde se busca “construir consensos” (López, 2003:1, apud Koçouski, 2013: 45).
25Graça Monteiro (2009), por sua vez, caracteriza a comunicação pública a partir de alguns princípios: responder às obrigações das instituições públicas de informar o público; estabelecer uma relação de diálogo para permitir a prestação de serviço ao público; apresentar e promover os serviços da administração pública; tornar conhecidas as instituições; divulgar ações da comunicação cívica e de interesse geral; e integrar o processo decisório na prática política. A autora ainda considera que a comunicação também é praticada por empresas (em ações de responsabilidade social), movimentos sociais e terceiro setor.
26É nesse livro também que Brandão e Duarte chegam a definições mais diretas, cada um com as suas palavras, mas, no cerne, identificando essas definições plenamente. Brandão entende comunicação pública como “o processo que se instaura na esfera pública entre o Estado, o Governo e a Sociedade e que se propõe a ser um espaço privilegiado de negociação entre os interesses das diversas instâncias de poder constitutivas da vida pública no país” (Brandão, 2012: 31).
27Para Duarte (2009), a ideia-chave é a de espírito público, do compromisso de colocar o interesse da sociedade antes da conveniência da empresa, da entidade, do governante ou do ator político. É uma evolução clara de outros três conceitos que até pouco tempo atrás se mesclavam com certa facilidade: comunicação organizacional, comunicação política e comunicação governamental. O primeiro, de forma sucinta, trata da comunicação no interior da organização e entre ela e seu ambiente externo. O segundo tem ligação umbilical com o marketing político. Em geral, aborda o discurso e a ação de governos, partidos e seus agentes na conquista da opinião pública. O último diz respeito aos fluxos de informação e aos padrões de relacionamento envolvendo o Estado e a sociedade. Foca-se, majoritariamente, na prestação de contas e em levar ao conhecimento da população políticas, projetos e ações. Segundo o autor, cada um dos três, em algum momento, intersecciona-se com o conceito de comunicação pública, mas nenhum deles é suficientemente cidadão, democrático e dialógico.
28O entendimento guarda relação com o que dizem Barros e Lima (2010), para quem o conceito passou a ser adotado pelas instituições governamentais devido ao seu elevado apelo de legitimidade, já que produz variadas conotações positivas, que se distanciam das desgastadas práticas de comunicação estatal, governamental ou institucional. Os veículos de comunicação de órgãos oficiais parecem ter encontrado uma solução mágica: ao se autodesignarem como instituições de comunicação pública, rejubilam com a atribuição de um novo sentido às suas viciadas práticas de comunicação. Margarida Kunsch também não foge dessa linha. Segundo essa autora (2009), as empresas e as organizações da sociedade civil passam a ser alvo de cobragem dos públicos, da opinião pública e da sociedade, e a ser monitoradas por estes, fazendo-se necessário adotar o verdadeiro sentido da comunicação pública, que é o interesse público.
29De tudo o que já foi escrito, o que parece mais bem equacionado, no entanto, é a abordagem do italiano Paolo Mancini, posteriormente condensada por Marina Koçouski. Mancini (2008 apud Koçouski, 2013) define o campo da comunicação pública a partir de três dimensões inter-relacionadas: os promotores ou emissores, a finalidade e o objeto. Os promotores ou emissores podem ser organizações públicas, privadas ou semipúblicas, classificação que não se dá estritamente pela natureza jurídica, mas também pela combinação desta com o campo de intervenção das organizações. Já a finalidade é apresentada de forma negativa: a comunicação não deve ser orientada para o alcance de uma vantagem econômica imediata, como a venda de produtos ou a troca para fins comerciais. Por fim, o objeto é o interesse geral, ou seja, tudo aquilo que diz respeito à comunidade como um todo, e que produz efeitos, antes de tudo, sobre as interações entre os diversos subsistemas sociais nos quais a comunidade se articula, e, mais adiante, sobre as esferas privadas consequentemente envolvidas.
30Com base nesse histórico de aproximações e definições, Koçouski termina por oferecer a sua definição:
A comunicação pública pode ser protagonizada por diversos atores: Estado, Terceiro Setor (associações, ONGs, etc.), partidos políticos, empresas privadas, órgãos de imprensa privada ou pública, sociedade civil organizada, etc. Ela não é determinada exclusivamente pelos promotores/emissores da ação comunicativa, mas, sim, pelo objeto que a mobiliza – o interesse público – afastando-se, ainda, de uma finalidade de cunho mercadológico (…) comunicação pública é uma estratégia ou ação comunicativa que acontece quando o olhar é direcionado ao interesse público, a partir da responsabilidade que o agente tem (ou assume) de reconhecer e atender os direitos dos cidadãos à informação e participação em assuntos relevantes à condição humana ou vida em sociedade. Ela tem como objetivos promover a cidadania e mobilizar o debate de questões afetas à coletividade, buscando alcançar, em estágios mais avançados, negociações e consensos (Koçouski, 2013: 52-54, grifos da autora).
Futuro
31Como se percebe, principalmente nas definições mais recentes, comunicação pública aparece como um conjunto de regras que guia práticas comunicacionais (em sua maioria de veículos de radiodifusão pública e assessorias de comunicação de órgãos públicos, privados e do terceiro setor) entre Estado, governo e sociedade, com o objetivo de informar para construir cidadania. Mas o que isso significa na prática? Para que nos serve tal constatação? O problema principal aqui é a amplitude demasiada do conceito. Os contornos conferidos pelos autores dificultam uma possível operacionalização.
32O ponto principal a ser debatido é se ainda há motivo para discussões teóricas sobre o conceito de comunicação pública ou se a fase de solidificação iniciada com Heloiza Matos já atingiu maturidade suficiente para que os pesquisadores possam avançar. Mais do que um conceito, comunicação pública é um campo que inclui cidadão, aparato estatal, sistema de mídia e terceiro setor (empresas privadas não estão incluídas, porque, por mais que, em algum momento, seus assuntos sejam de interesse público, o objetivo maior da organização, que é quem detém o controle da comunicação que exerce, é sempre o lucro, mesmo quando o discurso oficial prega “responsabilidade social”). Tais contornos já estão bem documentados em uma série de livros e artigos. É preciso agora que se saia o mais rapidamente da retórica do diagnóstico para uma perspectiva de tarefa, algo que só parece possível a partir de estudos empíricos.
6 Disponível em: <www.jforni.jor.br/forni/files/ComPúblicaJDuartevf.pdf>. Acesso a 11 nov. 2014.
33Uma possibilidade seria a definição de níveis qualitativos de comunicação pública para cada um de seus nichos, à semelhança do que propôs Wilson Gomes (2005) – e posteriormente Sivaldo Pereira da Silva (2009) aprimorou – para o conceito de democracia digital5. Por exemplo: levada em consideração a perspectiva estatal, poder-se-ia tentar avaliar o nível de comunicação pública praticada por um determinado órgão público ou por veículos de radiodifusão pública. O primeiro, mais elementar, poderia ser representado pela mera possibilidade de acesso do cidadão a informações ou serviços públicos. Graus superiores suporiam possibilidades mais aprofundadas de accountability ou fluxo de comunicação cuja iniciativa partisse da esfera civil. Quantificados, tais níveis poderiam, inclusive, ser base para rankings sobre a qualidade da comunicação pública realizada. Uma série de itens básicos (apontados por Duarte6), espécie de lista de verificação validadora dessa qualidade, pode ser elencada: identificar demandas sociais; definir eixos para uma ação pública coerente e integrada; promover e valorizar o interesse público; orientar os administradores em direção a uma gestão mais eficiente; garantir a participação coletiva na definição, na implementação, no monitoramento e no controle das políticas e ações públicas; atender às necessidades do cidadão e dos diferentes atores sociais por obter e disseminar informações e opiniões, garantindo a pluralidade no debate público; estimular uma cidadania consciente, ativa e solidária; melhorar a compreensão sobre o funcionamento do setor público; e induzir e qualificar a interação com a gestão e a execução dos serviços públicos.
34Já há estudos realizados com interessantes métodos de aferição. Paula Karini Dias Ferreira Amorim (2012), em sua tese de doutorado, desenvolvida na Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal da Bahia, criou um índice de transparência digital das capitais brasileiras, tentando compreender a influência das variáveis social (IDH-M, analfabetismo, população e inserção digital), política (ideologia partidária do chefe do poder executivo) e econômica (PIB per capita) da cidade para o estado da transparência desses governos. Estabeleceu uma série de categorias a serem aferidas (usabilidade, acessibilidade, hiperlink, informações contextuais, administrativas e financeiro-orçamentárias, comunicação com o público, responsividade, etc.) e, para cada uma delas, aspectos que seriam levados em conta para a aferição de nota.
35Outro exemplo, cuja descrição não é necessária para o argumento posto, é a tese de doutorado de Gilmar Ribeiro de Mello (2009), realizada no âmbito do Programa de Pós-graduação em Ciências Contábeis da Universidade de São Paulo, na qual seu autor criou um índice de mensuração e monitoramento do desenvolvimento da governança eletrônica que foi aplicado aos sites de governos de estados brasileiros e do Distrito Federal.
36Comunicação pública, portanto, é um campo crescente nos estudos da comunicação. Mais especificamente, já se constitui como referencial teórico para os rumos contemporâneos da comunicação nas organizações. Mas ainda carece de modelos de aferição que identifiquem a qualidade daquilo que é praticado por seus promotores e a satisfação dos públicos envolvidos.
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