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A NAU DOS ALOPRADOS
A Odisseia de Homero narra as aventuras de Ulisses
durante um período de dez anos de ausência ao lar. No decorrer desse
tempo muitas são as aventuras vividas pelo herói grego, até o seu
retorno à Ilha de Ítaca. Na casa de Eumeu, mesmo disfarçado de mendigo, ele é reconhecido por seu filho Telêmaco.
Ao chegar ao palácio, é menosprezado e sofre os maiores escárnios e
ultrajes dos que pretendiam a mão de sua esposa, a bela e doce Penélope. Inicialmente, ela não o reconhece. Somente Euricleia, sua ama, consegue reconhecê-lo por uma cicatriz, após banhar-lhe os pés. Um grande banquete é preparado para disputar Penélope,
porque esta prometera contrair matrimônio com aquele que fosse capaz de
conseguir entesar o arco de seu marido, que partira para terras
distantes, e arremessar a flecha, fazendo-a caprichosamente atravessar
doze machados. Muitos tentaram tal proeza. Apesar da grande força que
faziam, todo o esforço foi em vão. Só Ulisses o consegue. Nesse
instante, ele despe-se completamente dos andrajos que até então o
cobriam, sendo imediatamente reconhecido por todos. Ajudado por Telêmaco, Ulisses massacra todos os pretendentes de sua amada, sendo suas almas conduzidas por Hermes às profundezas dos infernos.
Na Terra de Vera Cruz, o mar Petratlântico está revolto e deveras furioso. Há dias, ventos e tempestades terríveis fustigam ininterruptamente a Nau dos Aloprados que navega dantesca e perigosamente à deriva. Diferentemente da Odisseia, aqui certamente não há nenhum herói e nenhuma ilha de Calipso ou Feaces
à vista aonde possam desesperadamente aportar. Posto à prova, qualquer
deficiente visual reconheceria facilmente o comandante e toda sua mal
cheirosa tripulação. A comilança já foi servida e o prêmio era ver quem
ficava calado para sempre. Não deu muito certo tal artifício. Os ratos,
como de praxe, pressentindo o perigo iminente, logo abandonarão o navio.
Ali e alhures, algum guabiru mais esperto, metido a boss,
nadará de costas no cocoruto de subalternos radicais idiotizados.
Submergindo nas águas fétidas de tanta corrupção e roubalheira ainda
ousarão gritar palavras de ordem e dirão que nós, sociedade honesta e
trabalhadora, queremos dar um golpe nas instituições brasileiras,
ajudados evidentemente pela mídia independente. Súcia de bandidos
travestidos de impolutas vestais! Nem mil anos de cadeia para cada um
deles pagaria o preço de tamanha ignomínia sofrida pelos tupiniquins
mortais da vida!
Estarrecida, a Nação assiste o que se passa nos bastidores pútridos do
poder da Ilha da Honestidade, sabedora das artimanhas maquiavélicas que
estão sendo tramadas nos porões sórdidos do submundo político,
tentando-se a todo custo livrar esta corja da punição exemplar que
merecem. Os homens de boa fé, das mais diferentes latitudes e longitudes, cidadãos brasileiros, rejeitam veemente tais acordos espúrios e indecorosos que são tecidos, com urdidura e habilidade de mafiosos profissionais, no apagar das luzes da legislatura.
Quanta
desfaçatez, bom Deus! Muitos, a maioria, com cara de robôs domados,
jura, de mãos postas e pés juntos, uma pretensa inocência que,
perdoem-me, caros leitores, cheira mal, para não dizer outra coisa.
E
o país sangra uma vez mais! Se não fora um gigante, já havia
desfalecido ou tombado morto pelos guerrilheiros de festim empoleirados
no alto da gávea ou que correm sem rumo pelo convés do navio sinistrado,
supostamente indestrutível, cujo espesso casco foi rasgado
impiedosamente pelo iceberg das denúncias e da decência. Como o Titanic, irá afundar. A diferença é que ninguém se lembrará dele, daqui a alguns anos.
E a carruagem segue ligeira, com o cocheiro caolho e estúpido, à frente, dormitando, segurando frouxamente as rédeas da troika que está prestes a despencar nos abismos descomunais e desafiadores que surgem a cada momento pelo caminho.
Que Deus tenha piedade de nós!
Pobre povo brasileiro!
AVELAR SANTOS
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