Foto: Francilúcio Oliveira
BASTARDO
Camocim fica encravada no litoral oeste da Terra da Luz - e é considerada como um dos maiores portos de vela do mundo.
Das
muitas embarcações típicas do Ceará aqui existentes, cantadas
altivamente em verso e prosa por nossos grandes poetas e romancistas,
as canoas e as jangadas, postadas a perder de vista por toda orla
marítima camocinense, talvez pela singeleza estética de seus finos
traços, encantam os olhos e aquietam a alma, até mesmo àquela mais
doída e angustiada. Uma embarcação, entretanto, se sobressai,
altaneira, dentre as demais, por sua beleza inigualável e porte real,
cujo nome exótico não saberia explicar corretamente a sua origem. Falo
do Bastardo,
uma embarcação de madeira de aproximadamente vinte metros de
comprimento, com uma única vela triangular gigantesca, que capta com
sobriedade incomum a força do vento, fazendo-o navegar veloz e
garbosamente, qual um cisne branco em um lago sereno. Voltado para a
pescaria em alto mar, o barco consegue armazenar quase sete toneladas
de pescado, possuindo, via de regra, uma tripulação de seis homens,
podendo passar até vinte e cinco dias longe da terra.
Do abençoado mar cearense, de tantas e saborosas iguarias que atiçam o paladar daqueles que nos visitam, o Bastardo
traz, nos seus imensos porões, peixes nobres deliciosos, tais como:
ariacó, cioba, carapitanga, pargo e robalo. Quando ele vem “chapado” de
pescado, como vulgarmente costumamos dizer, navegando com a quilha
levantada, quase à flor da água, de tanto peso, somente consegue
adentrar a barra na maré cheia, fazendo muito esforço para atingir as
águas calmas da baía, aonde costuma ancorar, ali, nas proximidades da Pedra do Mero.
Acontece que com os passar dos anos, e com o contínuo descaso das
autoridades de plantão, o canal principal de navegação sofreu um grande
desgaste, em termos de assoreamento, provocado sobretudo pela areia
fina mutante, advinda sabe-se lá de onde, que diariamente o invade – e
gradativamente vai soterrando-o à exaustão.
Quantas
vezes, bom Deus, no decorrer de quase meia eternidade, ao amanhecer e
ao entardecer, vi-me debruçado no velho balaústre de minha amada
cidade, com os olhos fixos no mar, feito criança, admirando a paisagem
belíssima que Deus nos presenteou, de forma única e generosa, a
observar o vai e vem encantador - e incessante - das inúmeras
embarcações que demandam cotidiana e religiosamente ao Rio da Cruz.
Sem nos darmos conta, após algum tempo de contemplação desta procissão solene, que tem como pano de fundo a Ilha da Testa Branca,
uma sensação indizível de bem-estar - e de paz - começa a invadir o
mais íntimo de nosso ser, extasiando-nos por completo, levando-nos,
arrebatadoramente, a um encontro inefável com o Criador. E, se neste cortejo sublime e silencioso, o Bastardo estiver
principescamente galopando as ondas, há indiscutivelmente uma abertura
momentânea do portal que nos separa da Divindade, permitindo a nós,
míseros mortais, alçarmos nosso espírito à união indissolúvel com o Todo Poderoso, algo que indubitavelmente tanto almejamos.
As velas de Camocim são únicas! Nada mais belo existe!
E o Bastardo, neste contexto grandioso, evidentemente é filho legítimo da nobre arte da navegação cabeça chata, cujos protagonistas maiores são os nossos valorosos, talentosos e intrépidos pescadores!
AVELAR SANTOS
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